segunda-feira, 26 de agosto de 2013

MORFOLOGIA

MORFOLOGIA

CONCEITO DE MORFOLOGIA:

De acordo com Dubois (1993:421) morfologia, em gramática tradicional, é o estudo das formas das palavras (flexão e derivação) em oposição ao estudo das funções ou sintaxe.
Em linguística moderna o termo morfologia tem duas acepções principais:
                    i.                        A morfologia é a descrição das regras que regem a estrutura interna das palavras, isto é,  as regras de combinação entre morfemas-raízes para constituir “palavras” (regras de formação de palavras) e a descrição das formas diversas que tomam essas palavras conforme a categoria de número, género, tempo, pessoa e conforme o caso (flexão das palavras),  em oposição à sintaxe, que descreve as regras de combinação entre os morfemas léxicos (morfemas, raízes e palavras) para construir frases.

                  ii.                        A morfologia  é a descrição, ao mesmo tempo, das regras da estrutura interna das palavras e das regras de combinação dos sintagmas em frases. A morfologia confunde-se, então, com a formação de palavras, a flexão e a sintaxe, e opõe-se ao léxico e à fonologia. Neste caso, diz-se de preferência, morfo-sintaxe.

Em síntese, diríamos que a morfologia é uma disciplina (ramo da) linguística que tem a palavra por objecto, e que estuda, por um lado, a sua estrutura interna, a organização dos seus constituintes e, por outro lado, o modo como essa estrutura interna reflecte a relação com as outras palavras que parecem estar associadas de maneira especial a ela.


O CONCEITO DE PALAVRA
Uma língua é constituída de um conjunto infinito de frases, cada uma delas possui uma face sonora (significante), ou seja, uma cadeia falada, e uma face significativa (significado), que corresponde ao seu conteúdo. Uma frase, por sua vez, pode ser dividida em unidades menores de som e significado – as palavras – e em unidades ainda menores, que apresentam apenas a face do significante – os fonemas.
Assim, de acordo com Cunha & Cintra (1996:75) as palavras são, pois, unidades menores que a frase e maiores que o fonema.
Porém. Esta não é a única definição de palavra. Vejamos quais são as outras propostas de conceitualização deste termo:
(i)                 Palavra: unidade linguística sintacticamente inanalisável, pertencente a uma categoria sintáctica (classe de palavras) como Nome (N), Verbo (V), Adjectivo (Adj) ou Preposição (Prep).
(ii)               Palavra é a mais pequena categoria linguística que pode ocorrer tanto no discurso oral como no escrito.

DIFERENTES NOÇÕES DE PALAVRA
  1. Palavra ortográfica -  unidade escrita, delimitada por espaços em branco. As palavras ortográfica são distintas umas das outras porque escritas de modos diferentes;

  1. Palavra fonológica – unidade fonológica resultante de um tipo de segmentação do contínuo sonoro. As palavras a este nível são distintas pelos processos fonológicos que as delimitam. Constituem-se como sequências que formam constituintes prosódicos únicos, apresentando uma propriedade unificadora, como um só acento principal, ou indivisibilidade de produção ou outro critério. De um modo simplista diríamos que as palavras são diferentes ou distintas umas das outras porque pronunciadas de modo diferente;


  1. Formas de palavras – as palavras são distintas umas das outras porque representam variantes da mesma unidade lexical. Trata-se de formas fonológicas ou gráficas que podem ocorrer isoladamente.
Exemplo: (a) pai / mãe
                 (b) sou / fui / era / serei.

  1. Lexema – unidade lexical abstracta, que reúne todas as flexões de uma mesma palavra. Em princípio, os lexemas são distintos uns dos outros porque portadores de sentidos diferentes.
Exemplo: (a) pai /mãe
                 (b) homem / mulher

Por outras palavras, os lexemas são aquelas palavras que, geralmente, constam dos dicionários e que apresentam uma flexão neutra. Estudiosos  consideram o masculino como o género neutro e o singular também como o número neutro, nos casos em que a palavra é biforme quanto ao género e/ou ao número.


O CONCEITO DE MORFEMA
Morfema é , por um lado, a combinação de sequências fonológicas e, por outro, uma unidade de sentido, ou seja, «uma forma linguística que não apresenta semelhança fonético-semântica com qualquer outra forma». Ou ainda,  morfemas são unidades indivisíveis, de conteúdo semântico (ou de função gramatical) que constituem as palavras.

Morfes  são unidades que, enquanto segmentos da forma da palavra considerada, podem ser escritos ou falados, ou seja, unidades discretas que, na fala ou na escrita, realizam as unidades a que chamamos morfemas.

Entre o morfema e o morfe existe uma relação de actualização, sendo o morfe a expressão física da unidade abstracta morfema, tal como acontece entre o fonema e o fone. Esquematicamente teríamos, o seguinte:


Os alomorfes são as várias formas que um determinado morfema pode assumir, ou seja, morfes diferentes que realizam o mesmo morfema.
(1)   ilegal
inacessível
impossível

TIPOS DE MORFEMAS
Prestemos atenção aos seguintes versos:
«Évora! Ruas ermas sob os céus
Cor de violetas roxas»

Quando na análise da palavra ruas distinguimos dois morfemas, observamos que um deles, rua, por si só forma um vocábulo, enquanto o morfema –s não tem existência autónoma, aparecendo sempre ligado a um morfema anterior. Os linguistas costumam chamar morfemas livres os que podem figurar sozinhos como vocábulos (lua, rua, simples, avó, rapaz) e morfemas presos aquelas que não se encontram nunca isolados, com autonomia vocabular.
Quanto à natureza de significação, os morfemas classificam-se em lexicais e gramaticais.
Os morfemas lexicais  têm significação externa, porque referentes a factos do mundo extra linguístico, aos símbolos básicos de tudo o que os falantes distinguem na realidade objectiva ou subjectiva.
Os morfemas lexicais são também chamados lexemas ou semantemas.

Já a significação dos morfemas gramaticais (gramemas ou formantes, para os linguistas modernos) é interna, pois deriva das relações e categorias levadas em conta pela língua. Assim, na frase que consta dos versos acima transcritos, são morfemas gramaticais e o artigo o, as preposições de e sob, a marca de feminino –a (rox-a, erm-a) e a de plural –s (rua-s, erma-s, céu-s, violeta-s, roxa-s).

Outras  características opõem os morfemas lexicais dos gramaticais. Os lexemas são de número elevado, indefinido, em virtude de constituírem uma classe aberta, sempre é possível ser acrescida de novos elementos; e os gramaticais pertencem a uma classe fechada, de número definido e restrito no idioma.

Os constituintes da palavra (morfemas) são unidades que se associam entre si, de acordo com as suas propriedades inerentes e com os princípios gerais de morfologia, e pertencem a categorias morfológicas como: radical, prefixo, afixo, infixo.
Palavras como café e pai, que constituem num único morfema livre, são palavras monomorfémicas, as palavras que consistem em mais do que um morfema, como cafezinho ou amor-perfeito, são palavras polimorfémicas.

Quanto a sua estrutura interna as palavras podem ser palavras simples ou palavras complexas.
Em Português, por exemplo, as palavras simples, monomofémicas, de acordo com Azuaga (1996:234) podem consistir num único morfema não flexional, o radical, como por exemplo, pai, mãe, tua, ou por radical mais afixo gramatical, -a , -o, ou –e: poema, bolo, mestre. As palavras complexas, polimorfémicas, são formadas por mais do que um constituinte não flexional, em geral, contém pelo menos duas palavras, caso das palavras compostas, como pé-de-atleta, ou um morfema central, que transmite o sentido básico, e um número variável de outros morfemas que modificam esse sentido, como no caso das palavras derivadas, por exemplo, em infelizmente, podemos detectar o radical, o morfema potencialmente livre feliz, e dois afixos in- e –mente. O morfema preso in-, à esquerda do radical, é um prefixo, e – mente, o morfema preso à direita do radical é um sufixo.
O afixo é um morfema que ocorre apenas quando concatenado com outro morfema ou morfemas. Por definição um afixo é, portanto, um morfema preso. Na palavra pais, junta-se o sufixo flexional plural, -s, ao radical simples, pai. O radical é a parte da palavra que existe antes de se afixar um elemento flexional, e um afixo cuja presença é requerida pela sintaxe, como os marcadores de número de nomes. Em rapazinhos, ocorre mesmo sufixo flexional -s, desta vez depois de um radical complexo, um radical derivacional, que consiste na raiz rapaz  e o sufixo derivacional –zinho, que é usado para transmitir a ideia de pequeno.
Qualquer unidade à qual um afixo pode ser aliado tem o nome de base. Os afixos juntos a uma base podem ser flexionais, se seleccionados por razões sintácticas, ou derivacionais, se alteram o sentido ou a função gramatical da base. Uma raiz como petiz pode ser uma base, na medida em que é possível juntar-lhe o sufixo flexional para formar o plural petizes, ou um afixo derivacional para formar um outro nome, petizada.

Os afixos de acordo com Mateus et alli (1990:414) nunca podem constituir por si sós, uma palavra, devendo-se associar a uma base, que pode ser constituída por um radical, ou por uma sequência de um radical mais um ou mais afixos.
Distinguem-se os afixos em várias categorias:
(a)    afixos de flexão
(b)   afixos de derivação
(c)    afixos avaliativos (aumentativo e diminutivo)

As palavras complexas são resultado de aplicação de um processo de formação de palavras, na origem do qual pode estar:
(a)    Uma única palavra, por modificação da sua estrutura, - derivação – quer  por adjunção de um prefixo (prefixação), quer por adjunção de um sufixo (sufixação), ou de um infixo (infixação).
(b)   Uma sequência de palavras – composição.
(c)    Uma única palavra, cuja forma não é modificada, mas à qual é atribuído um novo estatuto gramatical – conversão ou derivação imprópria.

Estes processos de formação de palavras pode ser especificados em função da categoria sintáctica da base e da categoria sintáctica da palavra resultante de aplicação do processo.
O conhecimento dos possíveis constituintes de palavras e das suas estruturas inerentes e contextuais permite também a formação de novas palavras.
A formação de palavras não esgota, no entanto, os recursos para a introdução de novas palavras no léxico de uma língua, que podem ser inventadas, ou podem resultar da alteração de várias palavras existentes.
Assim, as línguas servem-se de vários processos de criação lexical, para introduzir novas palavra nas línguas: acronímia, truncamento, sigla, amalgama, empréstimos, extensão metafórica.[1]

PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS

Basicamente é possível identificar dois processos de formação de palavras, conforme anteriormente foi referido, nomeadamente: derivação e composição.

Como também já se disse, na derivação está envolvido, necessariamente, um radical e um afixo, enquanto na composição estão envolvidos no mínimo dois radicais ou palavras.
Considerando apenas as categorias sintácticas Adj, N e V, cujo estatuto morfológico parece ser diferente das restantes categorias, podemos esquematizar os processos de formação de palavras da seguinte forma.

(i) Tomando em consideração a categoria gramatical da derivada temos os seguintes processos:
     1 ...                 [ +N, - V][2],[3]  (nominalização)
     2 ...                 [ + N, + V][4]   (adjectivalização)
     3 ...                 [ - N, + V][5]     (verbalização)

(ii) Considerando igualmente a categoria sintáctica de base obtemos uma identificação completa dos processos de formação de palavras. Assim, quando a base é um nome, o processo é denominal; quando é um adjectivo, o processo é deadjectival e quando é um verbo, o processo é deverbal. O que esquematicamente se pode representar assim:
4 [ + N, - V]                            ...      (denominal)
5 [ + N, + V]                          ...       (deadjectival)
6.[- N, + V]                            ...       (deverbal)

Assim, ao classificar o processo de formação de palavras resultantes derivação, especificamos em primeiro lugar, a categoria sintáctica da derivada e, em seguida, a da palavra de base., como ilustram os seguintes exemplos:
7 [ + N, + V]                          [ + N, + V]  :  adjectivalização deadjectival
    feliz Adj                               infeliz Adj
8 [ + N, + V]                          [ + N, - V]  :  nominalização deadjectival
    claro Adj                              clareza N
9 [ + N, - V]                           [ - N, + V]  :  verbalização deadjectival
    claro Adj                              clarificar V


REGRAS MORFOLÓGICAS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS
Existem lacunas no léxico das línguas, palavras que não existem mas poderiam existir.
Algumas lacunas devem-se ao facto de determinada sequência sonora não estar associada a qualquer significado. Outras lacunas devem-se ao facto de combinações possíveis não terem ainda sido feitas.
A razão pela qual os morfemas se podem combinar, formando por vezes, palavras ainda não existentes, está no facto de existirem, em todas as línguas, regras que dizem respeito à formação de palavras, regras morfológicas, que determinam o modo como os morfemas se combinam para formarem palavras novas.
Por exemplo, ao acrescentar o sufixo – ificar a um nome ou adjectivos obtém-se um verbo (purificar, simplificar, falsificar, glorificar, personificar).
MORFEMAS DERIVACIONAIS

Existem, em quase todas as línguas, morfemas que mudam a categoria, ou classe gramatical das palavras, os chamados morfemas derivacionais. São assim, chamados, pois quando associados a outros morfemas é derivada, ou seja, formada uma nova palavra.
A palavra derivada pode inserir-se numa classe gramatical diferente da palavra de base.
fratern+idade
amá+vel
deriv+ação

Existem também outros morfemas derivacionais que não geram mudança na classe gramatical. Pertencem a esta categoria muitos prefixos.
des+dobrar                                        in+feliz
re+começar                                       sub+desenvolvido

Novas palavras podem entrar desta forma no dicionário, criadas pela aplicação de regras morfológicas. Algumas destas formas são redundantes (planificação, planeamento, planejamento). Tais redundâncias mostram que as palavras que na realidade existem numa língua constituem apenas um subconjunto de palavras possíveis.
Algumas regras morfológicas são muito produtivas no sentido em que podem ser utilizadas bastante e livremente para formar novas palavras da lista de morfemas livres e presos.
As regras morfológicas são produtivas quando podem ser usadas muitas vezes para formar novas palavras.

Deste modo, o conhecimento que os falantes têm dos morfemas da sua língua e das regras de formação de palavras está bem patente quer nos “erros” que fazem, quer nas formas correctas que produzem. Os morfemas combinam-se para formarem palavras. Essas palavras formam os nossos dicionários interiores.
Nenhum falante de uma língua conhece todas as palavras. Considerando o nosso conhecimento dos morfemas da língua e das regras morfológicas, conseguimos muitas vezes adivinhar o significado de uma palavra que não conhecemos. Muitas vezes, como é evidente, adivinhamos mal.

COMPOSIÇÃO
As palavras podem juntar-se umas às outras formando novas palavras: as palavras compostas. Não existe praticamente limite quanto às combinações que podem ocorrer.
Quando duas palavras fazem parte da mesma categoria gramatical, a palavra composta pertence a essa categoria: (substantivo+substantivo            substantivo). Em muitos casos, quando duas palavras pertencem a categorias diferentes, em Português, é a classe da primeira palavra que determina a categoria gramatical do composto: mesa-redonda, cão-guarda, aguardente, couve-flor.
Embora os compostos de duas palavras sejam os mais dominantes, difícil é estabelecer o limite máximo.
A ortografia nada nos diz sobre a sequência que forma o composto, uma vez que alguns compostos são escritos com um espaço entre as duas palavras, outros com hífen e outros sem qualquer separação: por exemplo, fim de semana, guarda-fatos tiranódoas.
Porém, nem sempre é possível determinar o significado do composto a partir das palavras que o constituem. O significado não é sempre a soma dos significados das partes (malmequer, louva-deus, beija-flores).
Deste modo, compreende-se que embora as palavras de uma língua não sejam unidades de som e significado mais elementares, todas as palavras (juntamente com os morfemas) deverão constar dos nossos dicionários. As regras morfológicas deverão também fazer parte da gramática, explicando as relações entre as palavras e fornecendo meios para formar novas palavras.
A composição pode ser por justaposição ou por aglutinação.
Diz-se que há justaposição quando da reunião de duas formas linguísticas resulta uma nova palavra na qual cada forma se conserva como um vocábulo fonético distinto.
            Verde-alface
            Fim de semana

Há aglutinação quando da reunião de duas formas se verifica a perda da delimitação vocabular entre elas. São exemplos da aglutinação: aguardente, agricultura, etc.



[1] Para o esclarecimento destes conceitos pode consultar Mateus et alli (1990:415).
[2] N e V são os traços sintácticos que classificam os Nomes, Verbos e Adjectivos
[3] [ + N, - V] corresponde a Nome.
[4] [ + N, + V] corresponde a Adjectivo;
[5] [ - N, + V] corresponde a Verbo.

BIBLIOGRAFIA:
I.                   AZUAGA, Luísa “Morfologia” In FARIA, I.H. et alli. Introdução à Linguística Geral e Portuguesa. Caminho, Lisboa, 1996.
II.                CAMARA JR., J.M. Dicionário de Linguística e Gramática. 14ª edição, Vozes, Petrópoles, 1988.
III.             BARBOSA, Jorge Morais. Introdução ao Estudo da Fonologia e Morfologia do Português. Almedina, Coimbra, 1994.
IV.             FROMKIN, V. & RODMAN, R. Introdução à Linguagem. Almedina, Coimbra, 1999.
V.                GLEASON Jr., H.A. Introdução à Linguística Descritiva. 2ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1985.
VI.             MATEUS, Maria H. Mira et alli. Fonética, Fonologia e Morfologia do Português. Universidade Aberta, Lisboa, 1990.


Sem comentários:

Enviar um comentário