MORFOLOGIA
CONCEITO DE MORFOLOGIA:
De acordo com Dubois (1993:421) morfologia,
em gramática tradicional, é o estudo das formas das palavras (flexão e
derivação) em oposição ao estudo das funções ou sintaxe.
Em linguística moderna o termo
morfologia tem duas acepções principais:
i.
A
morfologia é a descrição
das regras que regem a estrutura interna das palavras, isto é, as regras de combinação entre morfemas-raízes
para constituir “palavras” (regras de formação de palavras) e a
descrição das formas diversas que tomam essas palavras conforme a categoria de
número, género, tempo, pessoa e conforme o caso (flexão das palavras), em oposição à sintaxe, que descreve as regras
de combinação entre os morfemas léxicos (morfemas, raízes e palavras) para
construir frases.
ii.
A
morfologia é a descrição, ao mesmo tempo, das regras da
estrutura interna das palavras e das regras de combinação dos sintagmas em
frases. A morfologia confunde-se,
então, com a formação de palavras, a flexão e a sintaxe, e opõe-se ao léxico e
à fonologia. Neste caso, diz-se de preferência, morfo-sintaxe.
Em síntese, diríamos que a morfologia
é uma disciplina (ramo da) linguística que tem a palavra por objecto, e que
estuda, por um lado, a sua estrutura interna, a organização dos seus constituintes
e, por outro lado, o modo como essa estrutura interna reflecte a relação
com as outras palavras que parecem estar associadas de maneira especial a ela.
O CONCEITO DE PALAVRA
Uma língua é constituída de um
conjunto infinito de frases, cada uma delas possui uma face sonora (significante),
ou seja, uma cadeia falada, e uma face significativa (significado), que
corresponde ao seu conteúdo. Uma frase, por sua vez, pode ser dividida em
unidades menores de som e significado – as palavras – e em
unidades ainda menores, que apresentam apenas a face do significante – os
fonemas.
Assim, de acordo com Cunha &
Cintra (1996:75) as palavras são, pois, unidades menores que a frase e
maiores que o fonema.
Porém. Esta não é a única definição de
palavra. Vejamos quais são as outras propostas de conceitualização deste termo:
(i)
Palavra: unidade linguística sintacticamente inanalisável,
pertencente a uma categoria sintáctica (classe de palavras) como Nome (N),
Verbo (V), Adjectivo (Adj) ou Preposição (Prep).
(ii)
Palavra é a mais pequena categoria linguística que pode
ocorrer tanto no discurso oral como no escrito.
DIFERENTES NOÇÕES DE PALAVRA
- Palavra
ortográfica - unidade escrita, delimitada por espaços
em branco. As palavras ortográfica são distintas umas das outras porque
escritas de modos diferentes;
- Palavra
fonológica – unidade
fonológica resultante de um tipo de segmentação do contínuo sonoro. As
palavras a este nível são distintas pelos processos fonológicos que as
delimitam. Constituem-se como sequências que formam constituintes
prosódicos únicos, apresentando uma propriedade unificadora, como um só
acento principal, ou indivisibilidade de produção ou outro critério. De um
modo simplista diríamos que as palavras são diferentes ou distintas umas
das outras porque pronunciadas de modo diferente;
- Formas de
palavras – as
palavras são distintas umas das outras porque representam variantes da
mesma unidade lexical. Trata-se de formas fonológicas ou gráficas que
podem ocorrer isoladamente.
Exemplo: (a) pai / mãe
(b) sou / fui / era / serei.
- Lexema – unidade lexical abstracta, que reúne todas
as flexões de uma mesma palavra. Em princípio, os lexemas são distintos
uns dos outros porque portadores de sentidos diferentes.
Exemplo: (a) pai /mãe
(b) homem / mulher
Por outras palavras, os lexemas são
aquelas palavras que, geralmente, constam dos dicionários e que apresentam uma
flexão neutra. Estudiosos consideram o
masculino como o género neutro e o singular também como o número neutro, nos
casos em que a palavra é biforme quanto ao género e/ou ao número.
O CONCEITO DE MORFEMA
Morfema é , por um lado, a combinação de sequências
fonológicas e, por outro, uma unidade de sentido, ou seja, «uma forma
linguística que não apresenta semelhança fonético-semântica com qualquer outra
forma». Ou ainda, morfemas
são unidades indivisíveis, de conteúdo semântico (ou de função gramatical) que
constituem as palavras.
Morfes são
unidades que, enquanto segmentos da forma da palavra considerada, podem ser
escritos ou falados, ou seja, unidades discretas que, na fala ou na escrita,
realizam as unidades a que chamamos morfemas.
Entre o morfema e o morfe existe uma
relação de actualização, sendo o morfe a expressão física da unidade abstracta
morfema, tal como acontece entre o fonema e o fone. Esquematicamente teríamos,
o seguinte:
Os alomorfes são as várias
formas que um determinado morfema pode assumir, ou seja, morfes diferentes que
realizam o mesmo morfema.
(1)
ilegal
inacessível
impossível
TIPOS DE MORFEMAS
Prestemos atenção aos seguintes
versos:
«Évora! Ruas
ermas sob os céus
Cor de violetas roxas»
Quando na análise da palavra ruas
distinguimos dois morfemas, observamos que um deles, rua, por si só
forma um vocábulo, enquanto o morfema –s não tem
existência autónoma, aparecendo sempre ligado a um morfema anterior. Os
linguistas costumam chamar morfemas livres os que podem figurar
sozinhos como vocábulos (lua, rua, simples, avó, rapaz) e morfemas presos
aquelas que não se encontram nunca isolados, com autonomia vocabular.
Quanto à natureza de significação, os
morfemas classificam-se em lexicais e gramaticais.
Os morfemas lexicais têm significação externa, porque referentes a
factos do mundo extra linguístico, aos símbolos básicos de tudo o que os
falantes distinguem na realidade objectiva ou subjectiva.
Os morfemas lexicais são também
chamados lexemas ou semantemas.
Já a significação dos morfemas
gramaticais (gramemas ou formantes, para os linguistas modernos) é
interna, pois deriva das relações e categorias levadas em conta pela língua.
Assim, na frase que consta dos versos acima transcritos, são morfemas
gramaticais e o artigo o, as preposições de
e sob, a marca de feminino –a (rox-a,
erm-a) e a de plural –s (rua-s, erma-s, céu-s, violeta-s,
roxa-s).
Outras
características opõem os morfemas lexicais dos gramaticais. Os lexemas
são de número elevado, indefinido, em virtude de constituírem uma classe
aberta, sempre é possível ser acrescida de novos elementos; e os
gramaticais pertencem a uma classe fechada, de número definido e
restrito no idioma.
Os constituintes da palavra (morfemas) são unidades que se associam entre si,
de acordo com as suas propriedades inerentes e com os princípios gerais de
morfologia, e pertencem a categorias morfológicas como: radical, prefixo,
afixo, infixo.
Palavras como café e pai, que
constituem num único morfema livre, são palavras monomorfémicas,
as palavras que consistem em mais do que um morfema, como cafezinho ou amor-perfeito,
são palavras polimorfémicas.
Quanto a sua estrutura interna as
palavras podem ser palavras simples ou palavras complexas.
Em Português, por exemplo, as palavras
simples, monomofémicas, de acordo com Azuaga (1996:234) podem consistir num
único morfema não flexional, o radical, como por exemplo, pai,
mãe, tua, ou por radical mais afixo gramatical, -a , -o,
ou –e: poema, bolo, mestre. As palavras
complexas, polimorfémicas, são formadas por mais do que um constituinte
não flexional, em geral, contém pelo menos duas palavras, caso das palavras compostas,
como pé-de-atleta, ou um morfema central, que transmite o
sentido básico, e um número variável de outros morfemas que modificam esse
sentido, como no caso das palavras derivadas, por exemplo, em infelizmente,
podemos detectar o radical, o morfema potencialmente livre feliz,
e dois afixos in- e –mente. O morfema
preso in-, à esquerda do radical, é um prefixo, e –
mente, o morfema preso à direita do radical é um sufixo.
O afixo é um morfema que
ocorre apenas quando concatenado com outro morfema ou morfemas. Por definição
um afixo é, portanto, um morfema preso. Na palavra pais, junta-se
o sufixo flexional plural, -s, ao radical simples, pai.
O radical é a parte da palavra que existe antes de se afixar um
elemento flexional, e um afixo cuja presença é requerida pela sintaxe, como os
marcadores de número de nomes. Em rapazinhos, ocorre mesmo sufixo
flexional -s, desta vez depois de um radical
complexo, um radical derivacional, que consiste na raiz rapaz
e o sufixo derivacional –zinho,
que é usado para transmitir a ideia de pequeno.
Qualquer unidade à qual um afixo pode
ser aliado tem o nome de base. Os afixos juntos a uma base podem
ser flexionais, se seleccionados por razões sintácticas, ou derivacionais,
se alteram o sentido ou a função gramatical da base. Uma raiz como petiz
pode ser uma base, na medida em que é possível juntar-lhe o sufixo flexional
para formar o plural petizes, ou um afixo derivacional para formar um
outro nome, petizada.
Os afixos de acordo com Mateus et alli
(1990:414) nunca podem constituir por si sós, uma palavra, devendo-se associar
a uma base, que pode ser constituída por um radical, ou por uma sequência de um
radical mais um ou mais afixos.
Distinguem-se os afixos em várias
categorias:
(a)
afixos de
flexão
(b)
afixos de
derivação
(c)
afixos
avaliativos (aumentativo e diminutivo)
As palavras complexas são resultado de
aplicação de um processo de formação de palavras, na origem do qual pode estar:
(a)
Uma única
palavra, por modificação da sua estrutura, - derivação – quer por adjunção de um prefixo (prefixação), quer
por adjunção de um sufixo (sufixação), ou de um infixo (infixação).
(b)
Uma sequência
de palavras – composição.
(c)
Uma única
palavra, cuja forma não é modificada, mas à qual é atribuído um novo estatuto
gramatical – conversão ou derivação imprópria.
Estes processos de formação de
palavras pode ser especificados em função da categoria sintáctica da base e da
categoria sintáctica da palavra resultante de aplicação do processo.
O conhecimento dos possíveis
constituintes de palavras e das suas estruturas inerentes e contextuais permite
também a formação de novas palavras.
A formação de palavras não esgota, no
entanto, os recursos para a introdução de novas palavras no léxico de uma
língua, que podem ser inventadas, ou podem resultar da alteração de várias
palavras existentes.
Assim, as línguas servem-se de vários
processos de criação lexical, para introduzir novas palavra nas línguas: acronímia,
truncamento, sigla, amalgama, empréstimos, extensão metafórica.[1]
PROCESSOS DE FORMAÇÃO
DE PALAVRAS
Basicamente é possível identificar
dois processos de formação de palavras, conforme anteriormente foi referido,
nomeadamente: derivação e composição.
Como também já se disse, na derivação
está envolvido, necessariamente, um radical e um afixo, enquanto na composição
estão envolvidos no mínimo dois radicais ou palavras.
Considerando apenas as categorias
sintácticas Adj, N e V, cujo estatuto morfológico parece ser diferente das
restantes categorias, podemos esquematizar os processos de formação de palavras
da seguinte forma.
(i) Tomando em consideração a
categoria gramatical da derivada temos os seguintes processos:
2 ... [ + N, + V][4] (adjectivalização)
3 ... [ - N, + V][5] (verbalização)
(ii) Considerando igualmente a
categoria sintáctica de base obtemos uma identificação completa dos processos
de formação de palavras. Assim, quando a base é um nome, o processo é denominal;
quando é um adjectivo, o processo é deadjectival e quando é um verbo, o
processo é deverbal. O que esquematicamente se pode representar assim:
4 [
+ N, - V]
... (denominal)
5 [
+ N, + V]
... (deadjectival)
6.[-
N, + V]
... (deverbal)
Assim, ao classificar o processo de
formação de palavras resultantes derivação, especificamos em primeiro lugar, a
categoria sintáctica da derivada e, em seguida, a da palavra de base., como ilustram
os seguintes exemplos:
7 [
+ N, + V] [ + N,
+ V] :
adjectivalização deadjectival
feliz Adj infeliz Adj
8 [
+ N, + V] [ + N,
- V] :
nominalização deadjectival
claro Adj clareza N
9 [
+ N, - V] [ - N,
+ V] :
verbalização deadjectival
claro Adj clarificar V
REGRAS MORFOLÓGICAS DE
FORMAÇÃO DE PALAVRAS
Existem lacunas no léxico das línguas,
palavras que não existem mas poderiam existir.
Algumas lacunas devem-se ao facto de
determinada sequência sonora não estar associada a qualquer significado. Outras
lacunas devem-se ao facto de combinações possíveis não terem ainda sido feitas.
A razão pela qual os morfemas se podem
combinar, formando por vezes, palavras ainda não existentes, está no facto de
existirem, em todas as línguas, regras que dizem respeito à formação de
palavras, regras morfológicas, que determinam o modo como os morfemas se
combinam para formarem palavras novas.
Por exemplo, ao acrescentar o sufixo –
ificar a um nome ou adjectivos obtém-se um verbo (purificar,
simplificar, falsificar, glorificar, personificar).
MORFEMAS DERIVACIONAIS
Existem, em quase todas as línguas,
morfemas que mudam a categoria, ou classe gramatical das palavras, os chamados
morfemas derivacionais. São assim, chamados, pois quando associados a outros
morfemas é derivada, ou seja, formada uma nova palavra.
A palavra derivada pode inserir-se
numa classe gramatical diferente da palavra de base.
fratern+idade
amá+vel
deriv+ação
Existem também outros morfemas
derivacionais que não geram mudança na classe gramatical. Pertencem a esta
categoria muitos prefixos.
des+dobrar in+feliz
re+começar sub+desenvolvido
Novas palavras podem entrar desta
forma no dicionário, criadas pela aplicação de regras morfológicas. Algumas
destas formas são redundantes (planificação, planeamento, planejamento).
Tais redundâncias mostram que as palavras que na realidade existem numa língua
constituem apenas um subconjunto de palavras possíveis.
Algumas regras morfológicas são muito
produtivas no sentido em que podem ser utilizadas bastante e livremente para
formar novas palavras da lista de morfemas livres e presos.
As regras morfológicas
são produtivas quando podem ser usadas muitas vezes para formar
novas palavras.
Deste modo, o conhecimento que os
falantes têm dos morfemas da sua língua e das regras de formação de palavras
está bem patente quer nos “erros” que fazem, quer nas formas correctas que
produzem. Os morfemas combinam-se para formarem palavras. Essas palavras formam
os nossos dicionários interiores.
Nenhum falante de uma língua conhece
todas as palavras. Considerando o nosso conhecimento dos morfemas da língua e
das regras morfológicas, conseguimos muitas vezes adivinhar o significado de
uma palavra que não conhecemos. Muitas vezes, como é evidente, adivinhamos mal.
COMPOSIÇÃO
As palavras podem juntar-se umas às
outras formando novas palavras: as palavras compostas. Não existe
praticamente limite quanto às combinações que podem ocorrer.
Quando
duas palavras fazem parte da mesma categoria gramatical, a palavra composta
pertence a essa categoria: (substantivo+substantivo substantivo). Em muitos casos, quando duas
palavras pertencem a categorias diferentes, em Português, é a classe da
primeira palavra que determina a categoria gramatical do composto: mesa-redonda,
cão-guarda, aguardente, couve-flor.
Embora os compostos de duas palavras
sejam os mais dominantes, difícil é estabelecer o limite máximo.
A ortografia nada nos diz sobre a
sequência que forma o composto, uma vez que alguns compostos são escritos com
um espaço entre as duas palavras, outros com hífen e outros sem qualquer
separação: por exemplo, fim de semana, guarda-fatos tiranódoas.
Porém, nem sempre é possível
determinar o significado do composto a partir das palavras que o constituem. O
significado não é sempre a soma dos significados das partes (malmequer, louva-deus,
beija-flores).
Deste modo, compreende-se que embora
as palavras de uma língua não sejam unidades de som e significado mais
elementares, todas as palavras (juntamente com os morfemas) deverão constar dos
nossos dicionários. As regras morfológicas deverão também fazer parte da
gramática, explicando as relações entre as palavras e fornecendo meios para
formar novas palavras.
A composição pode ser por justaposição
ou por aglutinação.
Diz-se que há justaposição quando da
reunião de duas formas linguísticas resulta uma nova palavra na qual cada forma
se conserva como um vocábulo fonético distinto.
Verde-alface
Fim
de semana
Há aglutinação quando da reunião de
duas formas se verifica a perda da delimitação vocabular entre elas. São
exemplos da aglutinação: aguardente, agricultura, etc.
[1] Para o esclarecimento destes conceitos pode
consultar Mateus et alli (1990:415).
[2] N e V são os traços sintácticos que classificam
os Nomes, Verbos e Adjectivos
[3] [ + N, - V] corresponde a Nome.
[4] [ + N, + V] corresponde a Adjectivo;
[5] [ - N, + V] corresponde a Verbo.
BIBLIOGRAFIA:
I.
AZUAGA, Luísa
“Morfologia” In FARIA, I.H. et alli. Introdução à Linguística Geral e
Portuguesa. Caminho, Lisboa, 1996.
II.
CAMARA JR.,
J.M. Dicionário de Linguística e Gramática. 14ª edição, Vozes,
Petrópoles, 1988.
III.
BARBOSA,
Jorge Morais. Introdução ao Estudo da Fonologia e Morfologia do
Português. Almedina, Coimbra, 1994.
IV.
FROMKIN, V.
& RODMAN, R. Introdução à Linguagem. Almedina, Coimbra, 1999.
V.
GLEASON Jr.,
H.A. Introdução à Linguística Descritiva. 2ª edição, Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1985.
VI.
MATEUS, Maria
H. Mira et alli. Fonética, Fonologia e Morfologia do Português.
Universidade Aberta, Lisboa, 1990.
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