terça-feira, 27 de setembro de 2011

Modernismo

Tecnicamente: Verso livre Rima livre Vitória do dicionário. Esteticamente: Substituição da Ordem Intelectual pela Ordem Subconsciente. (Mário de Andrade) O que se conhece, hoje, como arte do século XX, teve repercussão posterior à Primeira Grande Guerra, datando, portanto, da década de 20. Nesta, acontece uma cesura na arte, mais radical do que qualquer outra mudança de estilo ocorrida ao longo de sua história. Até então, a despeito de todas as alterações nas normas estéticas, a relação de correspondência da arte com a vida e a fidelidade da obra estética à natureza não haviam sido, jamais, questionadas. Depois do Impressionismo, mas como decorrência das experiências que nele se iniciaram, a arte renunciou ao papel de reprodutora da realidade: já não copia o real, interpreta-o. Diz-se que o processo se inicia no Impressionismo porque, já na prevalência desse estilo, a atitude descritivista perante a natureza e a realidade começa a ser abalada. As diversas tendências estéticas dessa época — Cubismo, Futurismo, Dadaísmo, Surrealismo, etc. — negam qualquer princípio naturalista, defendendo a existência de uma fronteira entre o mundo real objectivo e o mundo subjectivo da obra de arte. Nessa medida, a arte, quando se volta para a natureza, é para infringi-la, não obedecendo às leis naturais. A representação artística, rompendo com os meios de expressão convencionais, passa a obedecer, apenas, a suas próprias leis. O Modernismo não é um estilo, no rigor do termo, mas um complexo de estilos de época que apresentam alguns pontos coincidentes. Esses pontos em comum não independem do facto de que, no nosso século, o conhecimento sofreu uma grande ruptura a que concorreu a teoria da relatividade de Einstein; a teoria psicanalítica de Freud; a filosofia de Nietzsche e a teoria económica de Marx. Comum a todas é o questionamento do lugar do homem como sujeito do conhecimento. O abalo provocado por esse questionamento reflecte-se, de modo especial, na manifestação artística. O Futurismo teve, entre nós, grande influência. A tendência surgiu com o Manifesto Futurista, assinado por Marinetti, em 1909. Combatendo veementemente o academicismo e toda e qualquer manifestação tradicional, o Futurismo vincula a arte à nova civilização técnica emergente. Nesta época, surgem os primeiros aviões de porte e os primeiros transatlânticos; a radiofonia se torna relativamente potente; fazem-se as primeiras experiências cinematográficas e desenvolve-se o telégrafo. Com este pano de fundo, os futuristas propõem uma poesia baseada na exaltação da agressividade e da audácia; na abominação do passado; na exaltação à guerra e ao militarismo; no culto às fábricas e às máquinas. No plano da linguagem, postulavam: a destruição da sintaxe; a preferência pelo verbo no infinitivo para dar ideia de continuidade; rejeição do adjectivo; abolição de todas as metáforas-clichês; supressão do “eu” individualizante; liberdade na criação de imagens e analogias; ausência de controlo Sintáctico e de limites de pontuação. Em 1919, ano em que se inicia o movimento fascista, os futuristas aderem a essa proposta política, tornando-se seus porta-vozes. Oswald de Andrade (1890-1954) torna conhecido, entre nós, o Futurismo, para escândalo, inclusive entre seus próprios companheiros modernistas. A rigor, nossos modernistas não eram futuristas. Foram, contudo, assim denominados pela repulsa que manifestavam à arte passadista. O rótulo passou a distinguir o grupinho intelectual de São Paulo dos nossos literatos beletristas e conservadores. O romance “Memórias Sentimentais” de João Miramar, de Oswald de Andrade, apresenta passagens que têm sido identificadas como representativas da influência futurista pela semelhança com os textos de Marinetti: Estiadas amáveis iluminavam instantes de céus sobre ruas molhadas de pipilos nos arbustos dos squares. Mas a abóbada de garoa desabava os quarteirões. O Cubismo é um movimento de vanguarda, de incidência facilmente identificável nas artes plásticas, a partir do quadro de Pablo Picasso, “As senhoritas de Avignon”, de 1907. O Cubismo decompõe os objectos para recompô-los segundo uma lógica própria, que não obedece às leis naturais. A deformação do objecto se dá por via de geometrização. A transposição desse estilo à literatura, conforme se pode observar na obra de Apoilinaire (1880-1918), assim como na de Jean Cocteau (1889-1963), apresenta as seguintes características: supressão da discursividade lógica e do nexo causal; predomínio da realidade pensada sobre a realidade aparente; estética fragmentária que, decompondo o objecto, selecciona e enfatiza os detalhes, recarregando-os de expressividade. Esta composição de Oswald de Andrade é representativa: Bucólica Agora vamos correr o pomar antigo Bicos aéreos de patos selvagens Tetas verdes entre folhas E uma passarinhada nos vaia Num tamarindo Que decola para o anil Árvores sentadas Quitandas vivas de laranjas maduras Vespas O Dadaísmo, por sua vez, constitui a mais radical negação de todos os meios de comunicação. Juntamente com o Surrealismo, afirma a impossibilidade de que algo objectivo, formal e lógico possa expressar a verdade do homem. Paralelamente, Dadaísmo e Surrealismo questionam a própria natureza da arte. Por força de reconhecer a inexpressividade das formas culturais, o dadaísta propõe a total destruição da arte e o retorno ao caos. O Dadaísmo teve início em Zurique, em 1916, com o manifesto de Tristan Tzara, primeiro de uma sequência de seis. Contudo, o auge do movimento só ocorreu em 1920, quando congressos e publicações deram maior destaque à proposta. A respeito da palavra “dada”, explica Tzara: meu propósito foi criar apenas uma palavra expressiva que através de sua magia fechasse todas as portas à compreensão e não fosse apenas mais um — ISMO. A abolição da lógica e do património cultural acumulado, assim como a proposta de destruição da própria arte, constitui uma atitude demolidora cujos objectivos apenas um grupo de iniciados conhece. O movimento apoia-se numa contradição: quer comunicar um repúdio por via de uma não-comunicação. Este poema de Tzara pode ser elucidativo: Para fazer um poema dadaísta Apanhe um jornal. Apanhe a tesoura. Escolha nesse jornal um artigo com a extensão que você espera dar a seu poema. Recorte o artigo. Recorte em seguida com cuidado cada uma das palavras que compõem tal artigo e coloque-as numa bolsa. Agite lentamente. Retire em seguida cada recorte um após o outro. Copie conscientemente na ordem em que eles sairem da bolsa. O poema se parecerá com você. E eis você infinitamente Original e de uma sensibilidade encantadora Ainda que não compreendida pela gente vulgar. O niilismo dadaísta se tornou, depois de um tempo, insustentável, tomando seu lugar, entre as vanguardas europeias, o Surrealismo. Sob a égide de André Breton (1896-1970), são expostos, através de manifestos, os fundamentos teóricos dessa tendência. Foram agenciados para constituir esses fundamentos a tradição romântica por um lado; Freud, Marx, o esoterismo, a revolta dadaísta e toda e qualquer manifestação de recusa à hegemonia da Razão por outro lado. À semelhança dos dadaístas, os surrealistas não vêem a arte como algo sério, vêem, contudo, um possível aproveitamento da arte, se ela for usada como veículo de penetração no inconsciente, possibilidade de mergulho no mundo onírico, cujas leis são distintas daquelas que regem a vida de vigília, uma vez que, no sonho, a lógica racional é abolida. Propõem a escrita automática, sem controlo intelectual, solta ao sabor da livre associação, posta em voga pela psicanálise, propiciando o fluir das ideias sem o freio da disciplina sintáctica, assim como de qualquer tolhimento racional, moral ou estético. Como consequência, o verso como unidade desaparece e, com ele, as convenções rítmicas e rimáticas. Cabe, então, à poesia colocar em xeque os princípios do pensamento ocidental, assim como seus pressupostos de reprodução. A poesia se assume como pensamento autónomo, regido por suas próprias leis. A partir de Baudelaire e Rimbaud, na França, e de Hölderlin (1770-1843), na Alemanha, a literatura passa a recusar a pretendida universalidade da Razão. A imaginação é convocada a assumir o lugar de frente e demolir as bases do pensamento ocidental. Com ela, recuperariam os surrealistas as forças psíquicas primitivas, próximas ao sonho e à loucura. No Brasil, por exemplo, não houve Surrealismo nem Dadaísmo como um sistema. Há, contudo, manifestações esporádicas dessas vanguardas. Um dos poetas mais cerebrais, João Cabral de Melo Neto, em Pedra do Sono, datado de 1942, compõe poemas com inegáveis traços surrealistas, como se pode observar nesta estrofe de “Dentro da perda da memória”: E nas bicicletas que eram poemas chegavam meus amigos alucinados. Sentados em desordem aparente, ei-los a engolir regularmente seus relógios enquanto o hierofante armado cavaleiro movia inutilmente seu único braço. A consideração das vanguardas permite a identificação de algumas características básicas a uni-las, conforme observa José Guilherme Merquior (Os estilos históricos na literatura ocidental. In: PORTELLA, E. et alii. Teoria literária. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975). São elas: 1. a emergência de uma concepção lúdica da arte Para o artista romântico e pós-romântico, a arte tinha um compromisso com a salvação espiritual do homem, o que conferia à obra algo de religiosidade que permitia a regeneração da alma. Em autores tão diversos quanto Ibsen, Tolstoi, Melville, Mallarmé percebe-se uma concepção da arte como uma espécie de magia superior e redentora — como é, especialmente, o caso de Mallarmé — e como procura da verdade e da felicidade. No período conhecido como modernista, a arte-magia converte-se em arte-jogo. E, em lugar da atitude estético-religiosa, encontra-se um ludismo irónico. Toda a arte moderna tende a brincar com seus temas - mesmo quando os leva terrivelmente a sério. A arte oitocentista visava à empatia; a arte moderna persegue o distanciamento. A visão tragicizante do destino, cultivada acentuadamente no século XIX, cede lugar à visão grotesca e antitrágica de Gide (1869-1951), Kafka (1883-1924), Thomas Mann (1875-1955), Joyce (1882-1941) ou Borges (1889-1986). Além de brincar com seus temas, a arte moderna brinca com a forma, caracterizando-se por ser experimentalista. O jogo das linguagens experimentais só se torna possível com a dessacralização da forma, que deixa de lado o “acabamento” e o “bem-feito”. Mais que esses resultados, passou a interessar o jogo estético. Nesse jogo, o leitor é chamado a participar quase como co-autor. 2. a tendência à figuração “mítica” A literatura moderna abandona a figuração individualizadora para adoptar, em seu lugar, “o estilo mítico”, ou seja, a representação de cenas e personagens por traços genéricos, abstractos e despersonalizadores. A obra de Kafka exemplifica fartamente essa característica do Modernismo. 3. o predomínio da figuração alegórica Por figuração alegórica entende-se, aqui, o modo de figurar que alude ao reprimido pelas censuras internas e externas da sociedade. “Nisso, aliás, os artistas modernos seguiram Freud com ortodoxia impecável: pois Freud singulariza o inconsciente precisamente por sua natureza de psiquismo recalcado, censurado, que o distingue de mero subconsciente. Nesse sentido, toda a arte moderna foi vocacionalmente surrealista, toda ela compreendeu o princípio da realidade como uma coação, uma limitação das possibilidades vitais do homem; toda ela concebeu a autonomia do imaginário em termos de revolta existencial, de revolução cultural”. Se, mais uma vez, se pode evocar a obra de Kafka, cabe registar, também, a de James Joyce, Eugene O’Neill (1888-1953), Samuel Beckett (1906) Luigi Pirandelio (1867-1936), Garcia Lorca (1889-1936), Fernando Pessoa (1888-1935). Um estudo sobre períodos literários revela a oscilação dos parâmetros ideológicos e estéticos ao longo do tempo. Essa oscilação, por sua vez, denota, por um lado, a relatividade dos padrões; por outro, o condicionamento da literatura a factores que extrapolam o meramente estético, situando-se no histórico, no social, no político, no psicológico, etc., de tal forma que o estudo aprofundado do assunto conduziria a uma investigação interdisciplinar, sob pena de, circunscrevendo-se a questão, reduzir-se a complexidade dos problemas. A designação das épocas como barroca, neoclássica, romântica, simbolista, modernista, etc., obedeceu a um critério tipológico e, como tal, generalizador e posterior aos fenómenos literários. A voz que, no texto literário, fala, se, por um lado, apresenta características catalogáveis em época e estilos, tem, por outro, sua permanência assegurada apenas na medida em que firma uma dicção própria na soma dos discursos que constituem a literatura. MODERNISMO • Bases teóricas e filosóficas: — teoria da relatividade de Einstein — teoria psicanalítica de Freud — filosofia de Nietzsche — teoria económica de Marx • Tendências de vanguarda: — Futurismo, Cubismo, Dadaísmo, Surrealismo • Características: — concepção lúdica da arte — figuração “mítica” — figuração alegórica

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