terça-feira, 27 de setembro de 2011
Obras e Autores
I – Literaturas Africanas de (em) Língua Portuguesa
Literatura Moçambicana
Obras Autor
Karingana ua Karingana; Maria; Babalaze das Hienas; Xigubo; Cela 1; Cântico a un dio di Catrame; Izbranoe; Poemas de Prisão; Hamina e outros contos
José Craveirinha
Orgia dos Loucos; Ualalapi; Histórias de amor e de espanto; Os sobreviventes da Noite; No reino dos abutres; Choriro
Ungulani Ba Ka Khosa
Portagem Orlando Mendes
O Outro pé da Sereia; Vinte e Zinco; Estórias abensonhadas; Terra Sonâmbula; A Varanda de Frangipani; Pensatempos. Textos de Opinião; Jesusalém; Um rio chamado Tempo e uma casa chamada Terra; Raiz de Orvalho; Vozes anoitecidas; Mar-me-quer; Cronicando; Se Obama fosse africano e outras interivenções; Cada Homem é uma raça; Contos do nascer da Terra; Na berma de nenhuma estrada; O fio das missangas; O país do queixa-andar; Vinte e Zinco; O último voo do flamingo; O gato e o escuro; A chuva pasmada; O beijo da palavrinha; Venenos de Deus Remédio do Diabo; Antes de nascer o mundo
Mia Couto
Balada de Amor ao vento; Niketche; O sétimo juramento; As andorinhas; Ventos do Apocalipse; O alegre canto da perdiz
Paulina Chiziane
Mangas verdes com sal; O país dos outros, Reino Submarino, A Ilha de próspero, O monhé das cobras, O escriba acocorado, Obra poética, O copo de Atena, Memória Consentida
Rui Knopfli
Sonetos Rui de Noronha
Magoda Hortêncio Langa
O regresso do morto; Amor de Baobá; Palestra para um morto, Suleiman Cassamo
Xitala Mati Aldino Muianga
Assim no Tempo derrubado; Trilogia do Amor; Malungante; Yô Mabalane Albino Magaia
O país de mim; Amar sobre o Índico; Homoíne; Poemas da Ciência de voar e da Engenharia de ser ave; Os materiais de amor; O desafio à tristeza; Janela para oriente; Dormir com Deus e um navio na língua; As falas do escorpião; O homem a sombra e a flor e algumas cartas do interior Eduardo White
Os molwenes Isaac Zitha
Godido e outros Contos João Dias
Nós matámos o cão-tinhoso Luís Bernardo Honwana
Sangue Negro Noémia de Sousa
Xicandarinha na Lenha; Nyembeti ou as cores da Lágrima; Dos meninos da Malanga; Gotas de Sol,
Calane da Silva
O espelho dos dias; O núcleo Tenaz Armando Artur
Por cima de toda a folha Heliodoro Baptista
A Bíblia dos pretos Dom Midó das Dores
Os segredos da Alma Juvenal Bucuane
Crónicas Aerosa Pena
Assim na memória do povo Sérgio Vieira
Canto do amor natural Marcelino dos Santos
O escrevedor de destinos Nelson Saúde
Lutar por Moçambique Eduardo Mondlane
As duas Sombras do Rio; As visitas do Dr. Valdez; Índicos, indícios I. Setentrião; Índicos, indícios II. Meridião; Crónica da Rua 513.2; Campo de trânsito; Hinyambaan
João Paulo Constantino Borges Coelho
Monção; A inadiável Viagem; Vinte e tal novas formulações e uma elegia carnívora; Mariscando Luas; Lidemburgo Blues; Osso côncavo e outros poemas Luís Carlos Patraquim
Ninguém matou suhura; Neighbours; Os olhos da Cobra verde Lília Momplé
As vozes que falam verdade; A balada dos Deuses; Fazedores da alma; Os ossos do Ngungunhana; João Kuimba; Chico Ndaenda e outros contos Marcelino Dias Panguana
Literatura Angolana
O Cão e os Caluandas; A geração da utopia Pepetela
Sagrada Esperança Agostinho Neto
O segredo da Morta António de Assis Jr.
O vendedor de passados Eduardo Agualusa
Luuanda Luandino Vieira
Lendas negras; Nhari; Terra morta; A chaga; Homens sem caminho; Calenga. Castro Soromenho
Poemas, 1966; Poesia, 1979; Poemas, 1984 Alda Lara
Poemas Tomás Vieira da Cruz
Literatura Cabo-verdiana
Chiquinho Baltasar Lopes (Osvaldo Alcântara)
O galo que cantou na baía; Os Flagelados do Vento Leste; Crioulo e outros poemas; Os poemas de quem ficou; Angra do heroísmo; Açores Manuel Lopes
II – Literatura Brasileira
Há uma Gota de Sangue em Cada Poema; Paulicéia Desvairada; Losango Caqui; Clã do Jabuti; Remate de Males; Poesias; Lira Paulistana; O Carro da Miséria; Poesias Completas; Amar; Verbo Intransitivo; Macunaíma; Primeiro Andar; Belasarte; Contos Novo Mário de Andrade
Martim Cererê Cassiano Ricardo
Cobra Norato Raul Bopp
Diva; Lucíola e A Viuvinha; O Sertanejo; O Tronco do Ipê; O Gaúcho e Til; As Minas de Prata e A Guerra dos Mascates. José de Alencar
Ou isto ou aquilo Cecília Meireles
Capitães de Areia; Gabriela Cravo e Canela; País do Carnaval Jorge Amado
Macunaíma Oswald de Andrade
Poema de sete faces; Infância; Também já fui brasileiro; No meio do caminho; Poesia quadrilha; Sociedade; Aurora; Soneto da perdida esperança; Hino nacional; Em face dos últimos acontecimentos; Necrológio dos desiludidos do amor; Máquina do mundo.
Carlos Drummond
Alma Inquieta; Bocage; O Caçador de Esmeraldas; Conferências Literárias; Crítica e Fantasia; Crónicas e Novelas; Ironia e Piedade; Panóplias; Poesias infantis; Profissão de Fé; Sarças de Fogo; Tarde; Via-Láctea; As Viagens Olavo Bilac
(cont.)
Herba Buena; Memória Corporal; O verbo encarnado Roberto Pontes
A Cinza das Horas; Jornal do Comércio; Rio de Janeiro; Carnaval; Rio de Janeiro; O Ritmo Dissoluto; Rio de Janeiro; Libertinagem; Rio de Janeiro; Estrela da Manhã; Rio de Janeiro; Obras Poéticas; Rio de Janeiro; Alumbramentos; Rio de Janeiro; Estrela da Tarde; Rio de Janeiro. Manuel Bandeira
Iararana Sosígenes Costa
O Mulato; O Cortiço; Casa de pensão Aluísio de Azevedo
¾ Perto do Coração Selvagem; Maçã no Escuro; A Cidade Sitiada; Alguns Contos; Laços de Família; A Legião Estrangeira; Água Viva; A Paixão Segundo G. H. Clarice Lispector
Ressurreição; A Mão e a Luva; Helena; Iaiá Garcia; Contos Fluminenses; Histórias da Meia-Noite; Crisálidas; Falenas; Americanas; Os Deuses de Casaca; O Protocolo; Queda que as Mulheres Têm para os Tolos; Quase Ministro; Caminho da Porta; Memórias Póstumas de Brás Cubas; Quincas Borba; Dom Casmurro; Esaú e Jacó; Memorial de Aires Machado de Assis
III – Literatura Portuguesa
Os Maias; A cidade e as Serras; O primo Basílio; O crime do padre Amaro; A Capital; A Relíquia Eça de Queirós
cont.
Gaibéus Alves Redol
Céu em Fogo; A Estranha Morte do Professor Antena; O Fixador de Instantes; A Confissão de Lúcio; Dispersão; O Homem dos Sonhos; Loucura... e o Incesto; Mistério, Asas; Poesias
Mário de Sá Carneiro
Lusíadas Luís Vaz Camões
O livro de desassossego; Poemas do eu; Poesias dos outros eus; Cartas; Mensagem; Poemas Ingleses; Prosa íntima,
Fernando Pessoa
Caim; O evangelho segundo Jesus Cristo; Memorial do Convento José Saramago
Livro de Mágoas) e Livro de Sóror Saudade (publicadas em vida); Charneca em Flor; Juvenília; Reliquiae; Trocando Olhares, O Dia da Mar Coral; No Tempo Dividido, Mar Novo Livro Sexto; O Cristo Cigano; Geografia; Antologia; Grades; 11 Poemas; Dual; Antologia; O Nome das Coisas; Navegações; Ilhas; Musa; Signo; O Búzio de Cós; Mar; Orpheu e Eurydice; Contos Exemplares; Histórias da Terra e do Mar; A Menina do Mar; A Fada Oriana; Noite de Natal; O Cavaleiro da Dinamarca; O Rapaz de Bronze; A Floresta; O Tesouro; A Árvore.
Sophia de Melo Breyner
As Pupilas do Senhor Reitor; A Morgadinha dos Canaviais; Uma Família Inglesa; Serões da Província; Os Fidalgos da Casa Mourisca; Poesias; Inéditos e Dispersos; Teatro Inédito Júlio Dinis
Sonetos de Antero; Beatrice e Fiat Lux; Primaveras Românticas Antero de Quental
cont.
Arras por Foro de Espanha; O Bispo Negro; O Bobo; A Dama Pé de Cabra; Eurico, o Presbítero; A Harpa do Crente; Lendas Narrativas; O Monge de Cister; A Morte do Lidador
Alexandre Herculano
O Alfageme de Santarém; O Arco de Sant'ana; Um Auto de Gil Vicente; Camões; Catão; Dona Branca; Folhas Caídas; Frei Luís de Souza; Helena; Lírica de João Mínimo; Portugal na Balança da Europa; O Retrato de Vénus; Viagens na Minha Terra
Almeida Garrett
Amor de Perdição; Amor de Salvação; Amores do Diabo; A Caveira do Mártir; Coisas que Só Eu Sei; O Esqueleto; Eusébio Macário; O Judeu; Livro Negro do Pe. Diniz; O Que Fazem as Mulheres; A Queda de um Anjo; A Viúva do Enforcado
Camilo Castelo Branco
(1) Quadro ainda em ampliação.
Agosto de 2010
Por: Nélis Félix Elias e
Albino Vitorino Macuácua
Modernismo
Tecnicamente:
Verso livre
Rima livre
Vitória do dicionário.
Esteticamente:
Substituição da Ordem Intelectual pela Ordem Subconsciente.
(Mário de Andrade)
O que se conhece, hoje, como arte do século XX, teve repercussão posterior à Primeira Grande Guerra, datando, portanto, da década de 20. Nesta, acontece uma cesura na arte, mais radical do que qualquer outra mudança de estilo ocorrida ao longo de sua história. Até então, a despeito de todas as alterações nas normas estéticas, a relação de correspondência da arte com a vida e a fidelidade da obra estética à natureza não haviam sido, jamais, questionadas.
Depois do Impressionismo, mas como decorrência das experiências que nele se iniciaram, a arte renunciou ao papel de reprodutora da realidade: já não copia o real, interpreta-o.
Diz-se que o processo se inicia no Impressionismo porque, já na prevalência desse estilo, a atitude descritivista perante a natureza e a realidade começa a ser abalada. As diversas tendências estéticas dessa época — Cubismo, Futurismo, Dadaísmo, Surrealismo, etc. — negam qualquer princípio naturalista, defendendo a existência de uma fronteira entre o mundo real objectivo e o mundo subjectivo da obra de arte. Nessa medida, a arte, quando se volta para a natureza, é para infringi-la, não obedecendo às leis naturais. A representação artística, rompendo com os meios de expressão convencionais, passa a obedecer, apenas, a suas próprias leis.
O Modernismo não é um estilo, no rigor do termo, mas um complexo de estilos de época que apresentam alguns pontos coincidentes. Esses pontos em comum não independem do facto de que, no nosso século, o conhecimento sofreu uma grande ruptura a que concorreu a teoria da relatividade de Einstein; a teoria psicanalítica de Freud; a filosofia de Nietzsche e a teoria económica de Marx. Comum a todas é o questionamento do lugar do homem como sujeito do conhecimento. O abalo provocado por esse questionamento reflecte-se, de modo especial, na manifestação artística.
O Futurismo teve, entre nós, grande influência. A tendência surgiu com o Manifesto Futurista, assinado por Marinetti, em 1909. Combatendo veementemente o academicismo e toda e qualquer manifestação tradicional, o Futurismo vincula a arte à nova civilização técnica emergente.
Nesta época, surgem os primeiros aviões de porte e os primeiros transatlânticos; a radiofonia se torna relativamente potente; fazem-se as primeiras experiências cinematográficas e desenvolve-se o telégrafo.
Com este pano de fundo, os futuristas propõem uma poesia baseada na exaltação da agressividade e da audácia; na abominação do passado; na exaltação à guerra e ao militarismo; no culto às fábricas e às máquinas. No plano da linguagem, postulavam: a destruição da sintaxe; a preferência pelo verbo no infinitivo para dar ideia de continuidade; rejeição do adjectivo; abolição de todas as metáforas-clichês; supressão do “eu” individualizante; liberdade na criação de imagens e analogias; ausência de controlo Sintáctico e de limites de pontuação.
Em 1919, ano em que se inicia o movimento fascista, os futuristas aderem a essa proposta política, tornando-se seus porta-vozes. Oswald de Andrade (1890-1954) torna conhecido, entre nós, o Futurismo, para escândalo, inclusive entre seus próprios companheiros modernistas. A rigor, nossos modernistas não eram futuristas. Foram, contudo, assim denominados pela repulsa que manifestavam à arte passadista. O rótulo passou a distinguir o grupinho intelectual de São Paulo dos nossos literatos beletristas e conservadores.
O romance “Memórias Sentimentais” de João Miramar, de Oswald de Andrade, apresenta passagens que têm sido identificadas como representativas da influência futurista pela semelhança com os textos de Marinetti: Estiadas amáveis iluminavam instantes de céus sobre ruas molhadas de pipilos nos arbustos dos squares. Mas a abóbada de garoa desabava os quarteirões.
O Cubismo é um movimento de vanguarda, de incidência facilmente identificável nas artes plásticas, a partir do quadro de Pablo Picasso, “As senhoritas de Avignon”, de 1907. O Cubismo decompõe os objectos para recompô-los segundo uma lógica própria, que não obedece às leis naturais. A deformação do objecto se dá por via de geometrização. A transposição desse estilo à literatura, conforme se pode observar na obra de Apoilinaire (1880-1918), assim como na de Jean Cocteau (1889-1963), apresenta as seguintes características: supressão da discursividade lógica e do nexo causal; predomínio da realidade pensada sobre a realidade aparente; estética fragmentária que, decompondo o objecto, selecciona e enfatiza os detalhes, recarregando-os de expressividade. Esta composição de Oswald de Andrade é representativa:
Bucólica
Agora vamos correr o pomar antigo
Bicos aéreos de patos selvagens
Tetas verdes entre folhas
E uma passarinhada nos vaia
Num tamarindo
Que decola para o anil
Árvores sentadas
Quitandas vivas de laranjas maduras
Vespas
O Dadaísmo, por sua vez, constitui a mais radical negação de todos os meios de comunicação. Juntamente com o Surrealismo, afirma a impossibilidade de que algo objectivo, formal e lógico possa expressar a verdade do homem.
Paralelamente, Dadaísmo e Surrealismo questionam a própria natureza da arte. Por força de reconhecer a inexpressividade das formas culturais, o dadaísta propõe a total destruição da arte e o retorno ao caos.
O Dadaísmo teve início em Zurique, em 1916, com o manifesto de Tristan Tzara, primeiro de uma sequência de seis. Contudo, o auge do movimento só ocorreu em 1920, quando congressos e publicações deram maior destaque à proposta. A respeito da palavra “dada”, explica Tzara: meu propósito foi criar apenas uma palavra expressiva que através de sua magia fechasse todas as portas à compreensão e não fosse apenas mais um — ISMO.
A abolição da lógica e do património cultural acumulado, assim como a proposta de destruição da própria arte, constitui uma atitude demolidora cujos objectivos apenas um grupo de iniciados conhece. O movimento apoia-se numa contradição: quer comunicar um repúdio por via de uma não-comunicação. Este poema de Tzara pode ser elucidativo:
Para fazer um poema dadaísta
Apanhe um jornal.
Apanhe a tesoura.
Escolha nesse jornal um artigo
com a extensão que você espera
dar a seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com cuidado cada uma
das palavras que compõem tal artigo e
coloque-as numa bolsa.
Agite lentamente.
Retire em seguida cada recorte um
após o outro.
Copie conscientemente
na ordem em que eles sairem da bolsa.
O poema se parecerá com você.
E eis você infinitamente
Original e de uma sensibilidade encantadora
Ainda que não compreendida pela gente vulgar.
O niilismo dadaísta se tornou, depois de um tempo, insustentável, tomando seu lugar, entre as vanguardas europeias, o Surrealismo. Sob a égide de André Breton (1896-1970), são expostos, através de manifestos, os fundamentos teóricos dessa tendência. Foram agenciados para constituir esses fundamentos a tradição romântica por um lado; Freud, Marx, o esoterismo, a revolta dadaísta e toda e qualquer manifestação de recusa à hegemonia da Razão por outro lado.
À semelhança dos dadaístas, os surrealistas não vêem a arte como algo sério, vêem, contudo, um possível aproveitamento da arte, se ela for usada como veículo de penetração no inconsciente, possibilidade de mergulho no mundo onírico, cujas leis são distintas daquelas que regem a vida de vigília, uma vez que, no sonho, a lógica racional é abolida. Propõem a escrita automática, sem controlo intelectual, solta ao sabor da livre associação, posta em voga pela psicanálise, propiciando o fluir das ideias sem o freio da disciplina sintáctica, assim como de qualquer tolhimento racional, moral ou estético.
Como consequência, o verso como unidade desaparece e, com ele, as convenções rítmicas e rimáticas. Cabe, então, à poesia colocar em xeque os princípios do pensamento ocidental, assim como seus pressupostos de reprodução. A poesia se assume como pensamento autónomo, regido por suas próprias leis.
A partir de Baudelaire e Rimbaud, na França, e de Hölderlin (1770-1843), na Alemanha, a literatura passa a recusar a pretendida universalidade da Razão. A imaginação é convocada a assumir o lugar de frente e demolir as bases do pensamento ocidental. Com ela, recuperariam os surrealistas as forças psíquicas primitivas, próximas ao sonho e à loucura.
No Brasil, por exemplo, não houve Surrealismo nem Dadaísmo como um sistema. Há, contudo, manifestações esporádicas dessas vanguardas. Um dos poetas mais cerebrais, João Cabral de Melo Neto, em Pedra do Sono, datado de 1942, compõe poemas com inegáveis traços surrealistas, como se pode observar nesta estrofe de “Dentro da perda da memória”:
E nas bicicletas que eram poemas
chegavam meus amigos alucinados.
Sentados em desordem aparente,
ei-los a engolir regularmente seus relógios
enquanto o hierofante armado cavaleiro
movia inutilmente seu único braço.
A consideração das vanguardas permite a identificação de algumas características básicas a uni-las, conforme observa José Guilherme Merquior (Os estilos históricos na literatura ocidental. In: PORTELLA, E. et alii. Teoria literária. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975). São elas:
1. a emergência de uma concepção lúdica da arte
Para o artista romântico e pós-romântico, a arte tinha um compromisso com a salvação espiritual do homem, o que conferia à obra algo de religiosidade que permitia a regeneração da alma. Em autores tão diversos quanto Ibsen, Tolstoi, Melville, Mallarmé percebe-se uma concepção da arte como uma espécie de magia superior e redentora — como é, especialmente, o caso de Mallarmé — e como procura da verdade e da felicidade.
No período conhecido como modernista, a arte-magia converte-se em arte-jogo. E, em lugar da atitude estético-religiosa, encontra-se um ludismo irónico.
Toda a arte moderna tende a brincar com seus temas - mesmo quando os leva terrivelmente a sério. A arte oitocentista visava à empatia; a arte moderna persegue o distanciamento.
A visão tragicizante do destino, cultivada acentuadamente no século XIX, cede lugar à visão grotesca e antitrágica de Gide (1869-1951), Kafka (1883-1924), Thomas Mann (1875-1955), Joyce (1882-1941) ou Borges (1889-1986).
Além de brincar com seus temas, a arte moderna brinca com a forma, caracterizando-se por ser experimentalista. O jogo das linguagens experimentais só se torna possível com a dessacralização da forma, que deixa de lado o “acabamento” e o “bem-feito”. Mais que esses resultados, passou a interessar o jogo estético. Nesse jogo, o leitor é chamado a participar quase como co-autor.
2. a tendência à figuração “mítica”
A literatura moderna abandona a figuração individualizadora para adoptar, em seu lugar, “o estilo mítico”, ou seja, a representação de cenas e personagens por traços genéricos, abstractos e despersonalizadores. A obra de Kafka exemplifica fartamente essa característica do Modernismo.
3. o predomínio da figuração alegórica
Por figuração alegórica entende-se, aqui, o modo de figurar que alude ao reprimido pelas censuras internas e externas da sociedade.
“Nisso, aliás, os artistas modernos seguiram Freud com ortodoxia impecável: pois Freud singulariza o inconsciente precisamente por sua natureza de psiquismo recalcado, censurado, que o distingue de mero subconsciente. Nesse sentido, toda a arte moderna foi vocacionalmente surrealista, toda ela compreendeu o princípio da realidade como uma coação, uma limitação das possibilidades vitais do homem; toda ela concebeu a autonomia do imaginário em termos de revolta existencial, de revolução cultural”.
Se, mais uma vez, se pode evocar a obra de Kafka, cabe registar, também, a de James Joyce, Eugene O’Neill (1888-1953), Samuel Beckett (1906) Luigi Pirandelio (1867-1936), Garcia Lorca (1889-1936), Fernando Pessoa (1888-1935).
Um estudo sobre períodos literários revela a oscilação dos parâmetros ideológicos e estéticos ao longo do tempo. Essa oscilação, por sua vez, denota, por um lado, a relatividade dos padrões; por outro, o condicionamento da literatura a factores que extrapolam o meramente estético, situando-se no histórico, no social, no político, no psicológico, etc., de tal forma que o estudo aprofundado do assunto conduziria a uma investigação interdisciplinar, sob pena de, circunscrevendo-se a questão, reduzir-se a complexidade dos problemas.
A designação das épocas como barroca, neoclássica, romântica, simbolista, modernista, etc., obedeceu a um critério tipológico e, como tal, generalizador e posterior aos fenómenos literários. A voz que, no texto literário, fala, se, por um lado, apresenta características catalogáveis em época e estilos, tem, por outro, sua permanência assegurada apenas na medida em que firma uma dicção própria na soma dos discursos que constituem a literatura.
MODERNISMO
• Bases teóricas e filosóficas:
— teoria da relatividade de Einstein
— teoria psicanalítica de Freud
— filosofia de Nietzsche
— teoria económica de Marx
• Tendências de vanguarda:
— Futurismo, Cubismo, Dadaísmo, Surrealismo
• Características:
— concepção lúdica da arte
— figuração “mítica”
— figuração alegórica
RESUMO
RESUMO
1. Resumo
De acordo com Rei (2000:75), resumir um texto é “condensar as ideias principais, respeitando o sentido, a estrutura e o tipo de enunciação, i.e., os tempos e as pessoas, com a ajuda do vocabulário e do estilo pessoais do aluno.” É, portanto, reter o essencial de um texto, de uma ideia, ou seja, como afirmam Nascimento & Pinto (2006:143), reproduzir com fidelidade as ideias essenciais de um texto.
Observe-se que ao se redigir o resumo, deve encarar-se o texto como um todo, considerando-o não como uma sequência de frases soltas ou autónomas, de acordo com Petitjean (1984:123) citado por Rei (Idem), e não se pode emitir juízos de valor, opiniões sobre as ideias ou factos que no texto original se expressam, e não se pode acrescentar informação.
A linguagem deve ser simples e clara, substituindo-se as palavras de difícil compreensão por palavras correntes, excepto em textos em que se use vocabulário técnico e científico. (cf. Sebastião et tal. (1999:20).
1.1. Duas competências exigidas pelo resumo
Um resumo, segundo Giquel (1994:13), satisfaz duas exigências principais: a compressão do texto e a sua restituição, ou seja, nas palavras de Nascimento & Pinto (2006:114-115), a) a compreensão da estrutura global do texto a resumir (= texto-fonte), que se manifesta através da apresentação das ideias fundamentais do texto-fonte, manutenção da relação lógica entre essas ideias fundamentais; manutenção da ideia original do texto, e b) a contracção da informação expressa na extensão indicada e num discurso correctos do ponto de vista do vocabulário, da morfologia, da sintaxe e da ortografia.
1.2. Percurso (plano para a elaboração do resumo)
O plano para a elaboração do resumo consiste, segundo Giquel (op. cit.:35), na definição de blocos de ideias, depois da leitura do texto, sendo que esses blocos vão constituir os parágrafos do texto-resumo.
Rei (2000:75) apresenta os seguintes passos para a elaboração do plano para a elaboração do resumo:
• Compreensão e apreensão do texto pela técnica do sublinhado de palavras-chave;
• Divisão hierárquica do texto em partes e subpartes;
• Atribuição de um título a cada uma delas: pode ser temático (baseado no conteúdo ou explicativo (caracteriza as partes);
• Destacamento da oposição, simetria, crescendo ou diminuendo das ideias presentes no texto;
• Distinção clara: das ideias principais (a tese), das ideias secundárias (argumentos que a suportam) e dos exemplos.
1.3. Regras de elaboração do resumo
Rei (2000:76) apresenta quatro regras para a elaboração de um resumo, a saber:
a) Supressão/apagamento: podem ser supressões de repetições, de fórmulas, da ênfase, de interjeições... o resumo transmite uma tese e não uma escrita. Podem ser supressões de exemplos isolados, citações, anedotas... o resumo transmite uma demonstração e não uma explicação;
b) Generalização: é possível substituir alguns elementos, como palavras e ideias por outros mais gerais.
c) Selecção: distinguir bem o essencial e o acessório, suprimindo elementos que exprimam pormenores óbvios e normais no contexto;
d) Construção/constituição: manter tempos e pessoas, respeitar a ordem do texto, atender à proporção entre o texto dado e o texto a produzir, fazer tantos parágrafos quantas as partes que tiver o nosso plano, conservar a estrutura do texto de partida e, assim, as articulações lógicas; ligar logicamente as frases redigidas.
1.4. Defeitos a evitar no resumo
Rei (Idem) citando Pages e Pages-Pindon (1982:179) destaca os seguintes defeitos:
- Imitação do texto de partida: o resumo pode usar o mesmo vocabulário (evitar a busca abusiva de sinónimos), mas não permite o uso de expressões ou de frases inteiras, isto é, de citações;
- Intromissões pessoais: comentários ou deturpações;
- Destruição do texto: ausência de ligações lógicas entre as frases ou os parágrafos;
- Desproporção, tanto parcial, conservando um exemplo ou uma ideia secundários em detrimento de uma ideia principal, como geral, atribuindo demasiada importância a uma parte do texto em detrimento das outras.
1.5. Algumas palavras de ligação usadas no resumo
Relações circunstanciais
Tempo Antes, em seguida, depois, então, enfim, no entanto, entretanto, outrora, hoje, no futuro
Lugar Aqui, além, mais longe
Maneira ou modo Assim, deste modo, desta maneira
Relações lógicas
Adição E, também, por outro lado, para além disso, além disso, igualmente, assim como, ainda, além do mais
Disjunção (= escolha) Ou...ou, quer...quer, tanto...como
Oposição Mas, ao contrário, todavia, no entanto, não obstante, contudo, mesmo assim porque, com efeito
Causa Porque, com efeito
Consequência Pois, eis, porque, por consequência, assim, também, então, por isso, donde
Acordo Certamente, sem dúvida, com certeza
Incerteza Talvez, eventualmente
(cf. Giquel, F. Como resumir textos. Porto, Porto editora, 1994. p. 38)
Exemplo de resumo:
Mário e Luísa à noite foram jantar ontem ao restaurante da esquina. Sentaram-se à mesa perto da entrada. Mário comeu uma pizza com cogumelos, uma fatia de bolo margarida; Luísa comeu pudim de espinafres, alcachofras à romana e salada. Depois, quando saíram, caminharam velozes contra o vento frio da noite, atravessaram a rua e voltaram para casa. Procuraram a chave, abriram a porta da entrada, viram se havia correio e chamaram o elevador. Finalmente, sentaram-se no sofá de casa, mesmo a tempo de se deliciarem no “quentinho” com um filme de Gary Grant em que ambos estavam interessados.
Resumo-1: Ontem à noite, apesar do frio, Mário e Luísa foram comer fora. Mário tomou um jantar à base de farináceos e Luísa à base de vegetais. Depois voltaram para casa a pé a tempo de verem o filme de Gary Grant. (40 palavras).
Resumo-2: Depois de jantar fora ontem à noite, Luísa e Mário voltaram para casa para ver o filme de Gary Grant. (18 palavras).
Bibliografia:
GIQUEL, Françoise. Como resumir textos. Porto, Porto editora, 1994.
NASCIMENTO, Z. & PINTO, J.M de Castro. A dinâmica da escrita: como escrever com êxito.5.ª ed. Lisboa, Plátano editora, 2006.
REI, J.E. Curso de Redacção II. Porto, Porto Editora, 2000.
SEBASTIÃO, Lica et al. Português, 11.ª classe: textos e sugestões de actividades. Maputo, Diname, 1999.
SIMONET, Jean e SIMONET, Renée. Como Tomar Notas de Maneira Prática. Lisboa, Editora Cetop, 1988.
FICHA DE LEITURA
FICHA DE LEITURA
O que é uma ficha de leitura
A ficha de leitura é um resumo das ideias de um autor contidas num livro ou num artigo, tendo como objectivo preparar um trabalho de maior fôlego onde pretendemos conciliar a informação proveniente de várias fichas de leitura com as nossas conclusões em ordem a produzir um trabalho sistemático e original.
É importante distinguir entre dois tipos de ficha de leitura, a ficha com a qual se pretende resumir as principais ideias do texto, tendo como objectivo evitar a necessidade de lá voltar, permitindo a sua utilização em vários trabalhos distintos, da ficha, também designada por nota de leitura, em ordem a distinguir da anterior, com a qual apenas pretendemos reter as ideias do autor que são pertinentes para o trabalho que estamos a realizar. É em relação a este último caso que se dirige este documento.
Esta definição obriga a que se tenha em consideração os seguintes aspectos: a ficha de leitura é um momento de um movimento mais alargado, constituído pela leitura sucessiva de conjuntos de textos, em que cada conjunto ajuda a aperfeiçoar os nossos objectivos e estes determinam o novo conjunto a ler (Quivy e Campenhoudt, 1992: 51); A ficha de leitura não é um fim em si mesmo, mas um meio para se conseguir voltar às principais conclusões de um texto sem ter que tornar a lê-lo; a ficha de leitura é um instrumento de trabalho do seu autor e dirige-se exclusivamente a um único público, ele próprio.
Distinção entre ficha de leitura, resumo e recensão crítica
O tipo de ficha de leitura a que nos referimos não é um resumo de obra ou uma recensão crítica, embora partilhe com estas formas de trabalhar os textos o propósito de condensar as ideias contidas no documento em causa. A grande diferença é que a ficha de leitura procura fazer essa condensação a partir de uma orientação exterior ao texto: os nossos objectivos. Com efeito, num dado texto não interessa ler tudo mas apenas ler e condensar o que é pertinente para os nossos objectivos. Fica claro, pois, que as fichas de leitura, nesta acepção, não são resumos das obras mas resumos das ideias nelas contidas que nos interessam para os nossos propósitos.
Elementos constituintes da ficha de leitura
Uma ficha de leitura deve começar sempre pela referência completa que permite ao autor voltar a localizar o texto em causa a partir desses elementos e colocar a referência correctamente na bibliografia final do seu trabalho. Esta referência deve aparecer de forma separada do texto e ser bem visível a um olhar causal pela página. Uma estratégia é a de separar a referência bibliográfica do corpo da ficha de leitura com uma barra e algumas linhas em branco.
Dada a quantidade de textos lidos para a realização de qualquer trabalho e dada a possibilidade forte de se voltar ao mesmo texto, através da sua ficha de leitura, em diferentes trabalhos realizados, este é um exercício que se recomenda vivamente. Não poder citar uma ideia muito interessante porque se perdeu a referência completa da obra é uma possibilidade tantalizante mas bem real.
O que se segue é a sinopse, isto é, um resumo, em não mais do que dois ou três parágrafos, das ideias principais da ficha. Note-se que, se este ponto é o segundo a aparecer, deve ser o último a ser realizado, dado tratar-se de uma espécie de resumo do resumo que a ficha constitui. A realização da sinopse não deve ser desprezada porque, muitas vezes, é, em particular para os indivíduos com menos prática, o elemento chave para a compreensão da principal ideia de um dado livro ou artigo. Na sinopse deve aparecer, de forma bem explícita e hierarquizada, em primeiro lugar, a principal ideia do autor e, em segundo lugar, as ideias (ou ideia) importantes para os nossos objectivos.
A grande maioria do texto que constitui uma ficha de leitura diz respeito à condensação crítica do trabalho do autor com interesse para os nossos objectivos. Neste sentido, deve-se começar por procurar a ideia central que o autor defende no seu texto e de que forma esta se relaciona com as ideias que interessam aos nossos objectivos. Estas últimas podem não coincidir com a ideia central mas estão sempre relacionadas com ela. Note-se que, para o próprio autor, nem todas as ideias têm a mesma importância, estas articulam-se num processo de relacionamento mais ou menos hierarquizado onde ideias menos importantes dependem, ou são deduzidas, de outras mais importantes. Este processo encontra o seu limite na ideia central do texto que serve de fio condutor e lhe dá coerência.
A condensação subjacente a este processo implica que muito do que o autor escreveu não seja tido em conta no produto final, pois condensar é sempre perder informação. É por isso que a ficha de leitura é uma interpretação do trabalho do autor orientada pelos nossos objectivos: só nos interessa conservar o que se nos afigura relevante. De outra forma, a ficha de leitura seria a simples interpretação do texto, dizendo respeito ao outro tipo de ficha referenciado.
Note-se que o texto que constitui o corpo da ficha deve ter uma estrutura clara. Em alguns casos, pode ser seguida a estrutura de capítulos do autor do texto original (o que é o mais fácil), mas noutros é necessário realizar uma estrutura própria para a ficha. A estrutura de uma ficha pode ser implícita ou explícita, no entanto, a explicitação tem a vantagem de tornar mais fácil futuras consultas sobre o tema. Uma estrutura explícita é quando o texto da ficha se encontra subdividido em partes logicamente articuladas e hierarquizadas, encimadas por títulos a negrito (secções e/ou capítulos), como num qualquer texto.
A importância da referência às páginas da obra original
Em qualquer trabalho que realizemos, quando se referem as ideias de um dado autor, temos que o referenciar, não apenas na obra como na página, ou páginas, concreta(s) onde se encontra(m) essa ideia(s). Para o fazermos, temos que ter esta informação na própria ficha de leitura. Assim, praticamente cada parágrafo e muitas das orações terminam com uma referência ao número da página do texto original onde está a ideia. Nos casos onde uma ideia se desmultiplica por várias páginas, a referência deve ser “pp.”, estando as páginas separadas por um traço ou uma barra (por ex. pp. 55/57 ou pp. 55-57). Quando a ideia em causa é a tese de fundo da obra, não é necessário colocar a(s) página(s).
O estatuto dos comentários do autor da ficha
Numa ficha de leitura, enquanto momento de um trabalho mais vasto, podemos colocar os nossos próprios comentários. Por exemplo, para chamar a atenção para uma contradição com o que diz outro autor, ou para procurar mais informação sobre uma ideia, etc… A principal preocupação a ter é a da distinção entre o que é originalmente nosso e as ideias do autor que condensamos. É necessário encontrar um sistema uniforme de separação entre estes dois tipos de texto presentes na ficha. Existem várias possibilidades referenciadas na literatura. Neste documento só se referenciam duas: escrever os nossos comentários numa cor diferente (e sempre a mesma), a vermelho, por exemplo, ou colocar os nossos comentários entre parêntesis rectos. Recomenda-se vivamente que o sistema adoptado seja uniforme dentro de uma mesma ficha de leitura e no conjunto das fichas realizadas, no sentido de se minimizar os plágios involuntários.
As citações e as condensações das ideias do autor
A esmagadora maioria das frases presentes numa ficha de leitura são produzidas pela pessoa que está a realizá-la, com base nas ideias do autor do texto em análise. No entanto, por vezes existem frases que, pela sua importância no pensamento do autor, são copiadas integralmente do texto. O estatuto destas frases na ficha de leitura é de relativa excepção, nunca devem ser senão uma pequena parte do texto total. A sua relevância é a de constituírem um resumo (feito pelo próprio autor) das ideias em análise e/ou uma ilustração do que se pretende dizer num dado ponto. Muitas vezes, as citações são recolhidas tendo em atenção a possibilidade de virem a incorporar o texto final que pretendemos realizar.
Como no caso dos nossos próprios comentários, tem de ser bem clara a separação entre as declarações literais de um dado autor e a nossa interpretação condensada do que ele quis dizer. É para o segundo caso que se usa habitualmente o termo citação, muito embora, aquando do texto final, se dê a esse termo um sentido mais abrangente de citação bibliográfica, quer dizer, de apresentação do autor, obra e página de onde retirámos uma determinada ideia. Na ficha de leitura, como no trabalho final, as citações integrais do texto original devem vir entre aspas (normalmente as aspas””). Além disso, nos casos em que se encurta ou se manipula a frase do autor, querendo conservar-se o estatuto de citação literal, essas alterações devem estar devidamente assinaladas, quer tenham lugar no início da frase, no meio, ou no fim, com a seguinte sinalética: (…). Finalmente, quando se introduz uma palavra ou expressão nossa na citação, esta deturpação do texto original deve ser assinalada, colocando todos os termos estranhos ao original entre parêntesis rectos [ ].
Os títulos do autor devem ser tratados como citações e, como tal, devem vir entre aspas e indicada a página onde figuram no texto original.
Finalmente, releve-se a prática da criação de fichas próprias para conservar as citações retiradas dos textos, as fichas de citação, cujo objectivo passa pela possibilidade de ter disponível um acerco de citações variadas, e devidamente indexadas, a incluir nos trabalhos realizados. Este tipo de exercício é, sobretudo, recomendável para investigadores profissionais e/ou para quem utilize citações de textos e documentos com muita frequência no seu trabalho, de uma forma legitima, como pode ser o caso da História.
Ficha de leitura e plágio
Utilizar as ideias dos outros para realizar o nosso próprio trabalho não é um plágio. Pelo contrário é desejável e não há outra forma de fazermos o nosso trabalho avançar. Como diria Bernardo de Chartres (séc. XII), somos como anões que vemos longe porque estamos sobre os ombros dos gigantes que nos antecederam, os autores dos livros e artigos que usamos. Habitualmente, as novas ideias surgem sempre com base em ideias anteriores, através da sua modificação, da sua recusa, da sua antítese, ou de um qualquer outro processo. Os trabalhos com ideias verdadeiramente originais são muito raros e não estão ao alcance de menos que génios.
Plágio é não dar crédito à pessoa ou pessoas de onde retirámos uma dada ideia. Para que a situação de plágio se verifique, é apenas necessário que uma ideia, retirada de um autor, não apareça referenciada como sendo desse autor, mesmo que seja apresentada pelas nossas próprias palavras!
O plágio é uma forma de roubo e uma fraude, mesmo quando é involuntário.
O caso específico da aprendizagem do processo de elaboração de uma ficha de leitura
Por vezes, no processo de aprendizagem das técnicas de elaboração de uma ficha de leitura, é solicitado aos alunos a realização de um exercício que remete para o primeiro tipo de fichas de leituras referenciado, as que respeitam ao texto integral. Neste caso, os procedimentos são o s mesmos que os descritos neste documento, com uma única excepção: não existem objectivos exteriores que orientem e comandem a leitura. A ficha de leitura assume o papel de resumo do texto em causa, ganhando expressão a procura das ideias principais do autor, das suas articulações e hierarquizações.
Bibliografia recomendada
QUIVY, Raymond e CAMPENHOUDT, Luc Van. Manual de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa, Gradiva, 1992.
ECO, Umberto. Como se Faz uma Tese: Em Ciências Humanas. Lisboa, Presença, 1984.
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
A coordenação e a subordinação nas perspectivas tradicional e funcionalista: confrontos
A coordenação e a subordinação nas perspectivas tradicional e funcionalista: confrontos
Introdução
Por meio de novas pesquisas e novos paradigmas, temas abordados na Gramática Tradicional (GT) vêm sendo revisitados e ampliados devido à inconsistência teórica na formulação dos conceitos tradicionais acerca dos processos de articulação sintácticos, a coordenação e a subordinação. Diante disso, novos posicionamentos têm surgido a fim de minimizar a insuficiência dos critérios semânticos utilizados na gramática tradicional.
Meu interesse aqui é o de expor conceituações diferentes, colhidas em algumas gramáticas tradicionais a fim de confrontá-las com abordagens de cunho funcionalista, visando, com isso, apresentar novos tratamentos descritivos e tipológicos sobre as orações complexas, evidenciando também, que, ao utilizar exemplos recortados e, em sua maioria, extraídos de obras literárias, as gramáticas tradicionais não dão conta da análise de todos os dados reais.
Desta forma, colectei alguns exemplos de propagandas que, ao serem revisitados na vertente funcionalista, receberam novos tratamento e tipologia. Para demonstrar isso, num primeiro momento, apresentarei conceitos da coordenação e da subordinação de algumas gramáticas tradicionais, mostrando as diferenças verificadas entre eles. Posteriormente, serão examinados, sob o olhar da vertente funcionalista, novos tratamentos dados às orações complexas e às suas relações de articulação com suas propostas de identificação e tipologização. E, para finalizar, apresentarei conclusões que apontam para possíveis caminhos.
A coordenação e a subordinação na perspectiva da Gramática Tradicional
As gramáticas tradicionais comummente seleccionam os seus conceitos de exemplos recortados das obras literárias dos grandes autores brasileiros ou lusitanos (ILARI, 1999) numa versão uniforme entre a norma e o uso. Explicadas nos capítulos, intitulados Períodos, as orações complexas são subdivididas em: coordenação e subordinação.
Da organização das palavras em enunciados, segundo os conceitos da gramática tradicional, resultam relações de “igualdade sintáctica” ou de “dependência sintáctica”, ou seja, relações de coordenação ou de subordinação, respectivamente.
A coordenação e a subordinação são processos sintácticos analisados dentro do período composto (aquele que consta de duas ou mais orações). Por sua vez, no período composto, podem ocorrer três tipos básicos de orações: principal, subordinada e coordenada.
Na análise de um período composto, cumpre, pois, ter em mente a função que cada uma dessas orações possui. Seguindo a concepção de alguns gramáticos, temos algumas definições a seguir.
Cunha (1985) define como (i) oração principal aquela que não exerce nenhuma função sintáctica em outra oração do período; já a (ii) oração subordinada desempenha sempre uma função sintáctica (sujeito, objecto directo, objecto indirecto, predicativo, complemento nominal, agente da passiva, adjunto adnominal, adjunto adverbial ou aposto), visto que ela é um termo ou parte de um termo vinculado à principal; a (iii) oração coordenada, como a principal, nunca é termo de outra oração nem a ela se refere, podendo relacionar-se com outra coordenada, mas em sua integridade.
Segundo Savioli (1999), a (i) oração principal é aquela na qual se encaixa uma subordinada; e (ii) oração subordinada, aquela em que se encaixa uma outra oração, que desempenha alguma função sintáctica em relação à principal; já a (iii) oração coordenada é aquela que se coloca ao lado de outra, sem desempenhar função sintáctica alguma.
Assim, coordenam-se termos (palavras ou expressões) de mesma função e subordinam-se termos (palavras ou expressões) de diferentes funções sintácticas (SAVIOLI, 1999).
Para Bechara (2003), subordinadas são as orações que, independentemente do ponto de vista sintáctico, sozinhas têm um sentido completo, ou seja, constituem um texto. Entretanto, reconhece que nada é engessado, cristalizado. Ele explica a relação das orações complexas (subordinadas) pelo fenómeno de estruturação das camadas gramaticais conhecido por hipotaxe ou subordinação. Aqui, a oração passa a uma camada inferior e funciona como membro sintáctico de outra unidade.
Ainda segundo Bechara (2003), coordenadas são as orações sintacticamente independentes entre si e podem se combinar formando grupos oracionais ou períodos compostos.
Segundo Garcia (2003), as orações se interligam por dois processos sintácticos universais: a coordenação e a subordinação, sendo a justaposição variante da primeira e a correlação variante da segunda.
Para este, coordenação é um paralelismo de funções ou de valores sintácticos idênticos.
Dessa forma, as orações apresentam a mesma natureza e função, devendo ter a mesma estrutura sintáctico-gramatical (estrutura interna) e podendo se interligar por meio de conectores chamados conjunções coordenativas. E é, em essência, um processo de encadeamento de ideias.
Em contrapartida, na subordinação (GARCIA, 2003) não há paralelismo, mas desigualdade de funções e de valores sintácticos. É um processo de hierarquização, em que o enlace entre as orações é muito mais estreito do que na coordenação. Nesta, as orações se dizem sintácticas, mas nem sempre semanticamente independentes; naquela, as orações são sempre dependentes de outra, quer quanto ao sentido, quer quanto ao travamento sintáctico.
Diante do exposto, a conclusão a que chegamos é a de que a noção de dependência ou independência e a presença ou não de um conector são os parâmetros utilizados para a formulação dos critérios sintácticos e semânticos no enfoque tradicional. Dessa forma, a coordenação está ligada à independência sintáctica e a subordinação, à dependência. Contudo, a utilização desses critérios para a classificação das orações complexas é insuficiente, na medida em que, ao nos depararmos com exemplos não-canónicos, somente a relação de (in)dependência não dá conta de explicar a relação sintáctica, e nem a presença ou não de conector é factor preponderante para a classificação em um tipo ou outro de oração, como demonstrarei a seguir.
A coordenação e a subordinação na perspectiva da Linguística Funcionalista
Mediante a insuficiência para identificação e tipologização, na grande maioria, das orações complexas nas gramáticas tradicionais, autores como Decat (1999), Hopper & Traugott (1993), Azeredo (2000), Thompson (1984), Haiman & Thompson (1984) e Villela & Koch (2001), entre outros, têm estudado os processos sintácticos de articulação no intuito de questionar e revisar as noções acerca da coordenação e da subordinação, postulando novos critérios para sua classificação.
Apresentarei as relações sintácticas, coordenação e a subordinação, propriamente ditas, levantando teorias de cunho funcionalista que explicam alguns dos fenómenos investigados.
Hopper & Traugott (1993) salientam que não existem expressões isoladas, uma vez que as frases não estão livres a um dado contexto (context-free), mas sim, atreladas a um específico, já que são unidades dentro de uma actividade linguística. Ainda revelam que todas as línguas possuem dispositivos para unir essas cláusulas, e a essa reunião chamam de orações complexas (HOPPER & TRAUGOTT, 1993:169).
Assim, temos que orações complexas são aquelas, numa definição sintacticamente definida, em que a unidade pode ser constituída de uma ou mais de uma cláusula. Podendo, dessa forma, ser constituída de um ou mais núcleos adicionais ou marginais (margins), que são aqueles em que há uma relação de relativa dependência e que possuem diferentes graus de dependência com relação à cláusula nuclear (HOPPER & TRAUGOTT, 1993:169).
Os autores dividiram as orações complexas em três tipos, nos quais os múltiplos núcleos podem ser justapostos, o que indica uma relação gramatical entre eles, na medida em que há uma combinação entre as cláusulas núcleo e as marginais:
i. Parataxe, ou relativa independência, uma vez que, pragmaticamente, fazem sentido e são relevantes;
ii. Hipotáticas, ou interdependentes, uma vez que há um núcleo e uma ou mais cláusulas que estão ligadas a ele, numa relação de dependência;
iii. Subordinação, ou, em sua forma extrema, embedding (encaixada), ou em outras palavras, dependência completa, já que as cláusulas marginais estão completamente incluídas dentro das cláusulas nucleares (HOPPER & TRAUGOTT, 1993:170).
Diferentemente do que pode ser visualizado nas gramáticas tradicionais, nessa vertente, visualizamos três classificações para as orações complexas, as quais a GT nomeia de período composto.
A seguinte tabela clarifica muito bem quanto à relação de combinações e de encaixamento:
PARATAXE HIPOTAXE SUBORDINAÇÃO
- dependente +dependente +dependente
-encaixada - encaixada + encaixada
Relação de dependência e encaixamento. (HOPPER & TRAUGOTT, 1993:170).
A conclusão a que chegam os autores é a hipótese de que dispositivos, como os clíticos, por exemplo, mais evidentes e independentes, sinalizam o acoplamento das cláusulas, numa integração semântico-pragmática mínima em umas línguas, como o inglês, por exemplo, e em outras, máxima (HOPPER & TRAUGOTT, 1993:171).
Em concordância ao exposto por Hopper & Traugott, Azeredo (2000) revela que orações, sintagmas e palavras são conectados num discurso levando-se em consideração as relações semânticas, relações essas intuídas pelo locutor/receptor, graças a factores extralinguísticos, [e] outras explicitadas por uma gama de meios formais: concordância nominal e verbal, preposições, conjunções, pronomes, etc. Estas conexões podem ser tanto sintácticas (no interior do período), quanto textuais (no interior do texto).
Para Azeredo, as conexões sintácticas podem ser tipificadas em: (i) justaposição, quando não há qualquer marca formal (concordância, conectivos) entre os elementos unidos; (ii) subordinação, quando há marca formal, se realizando por meio dos conectivos de subordinação (preposições, conjunções subordinativas e pronomes relativos) que se prestam a criar estruturas distintas das unidades ou construções que introduzem; e (iii) coordenação, quando há marcas formais, se realizando por meio dos conectivos de coordenação (ou conjunções coordenativas ou coordenantes) que se prestam a ligar duas ou mais unidades que tenham a mesma natureza gramatical ou a mesma função sintáctica (AZEREDO, 2000:155).
Um ponto interessante destacado por Azeredo reside na posição dos conectivos, que, na subordinação, acompanham o período que introduzem, podendo assim aparecer no início do período. Na coordenação, isso não ocorre, pois os conectivos jamais podem aparecer no início, mas sim no ponto em que uma unidade coordenada termina e a seguinte começa (AZEREDO, 2000:156).
Um exemplo disso temos em:
i. “Era evidente que o estacionamento estava lotado.
“Que o estacionamento estava lotado era evidente.
Nestes exemplos, o conector que desloca-se com o período ao qual está ligado, estando a conduzir soldado a ele, tratando-se portanto de uma relação de subordinação (deslocável).
O mesmo não ocorre em:
ii. “A greve terminou, mas os chapas ainda não voltaram a circular.
*“Mas os chapas ainda não voltaram a circular, a greve acabou.
Aqui, o conector não pôde ser colocado no início porque a relação entre os períodos é de coordenação (não-deslocável); então, esse movimento não é possível.
Trabalhando num enfoque funcional-discursivo, Decat (1999) estuda as hipotáticas adverbiais, ou de realce (de acordo com a nomenclatura de HALLIDAY, 1985).
Segundo Decat, para que uma análise funcional-discursiva consiga explicar a competência comunicativa do falante, torna-se necessário que se façam duas considerações: (i) a do significado do texto como um todo e (ii) a do fenómeno de combinação realizado dentro desse texto.
Acerca da coordenação e subordinação, Decat comenta que:
A trajectória dos estudos gramaticais tradicionais (linguísticos) costuma ser marcada pela utilização da dicotomia coordenação/subordinação na tarefa de descrever e definir os processos de articulação (ou combinação) de cláusulas. Entretanto, é por demais conhecida a insuficiência dos tratamentos tradicionais para dar conta de casos considerados limítrofes, ou mesmo daqueles que aparentemente não oferecem qualquer problema para a análise. Por um lado, opor as noções de coordenação e subordinação não tem sido uma estratégia promissora, por outro, também não o é definir subordinação simplesmente como dependência - e em termos puramente formais. A chamada dependência gramatical norteou, de modo geral, os tratamentos tradicionalistas. (DECAT, 1999: 300-301) (negrito no original).
Para Decat, as análises tradicionais são circulares, na medida em que suas definições acerca da subordinação não dão conta de casos limítrofes entre coordenação e subordinação, como nas falsas coordenadas, por exemplo. Essa circularidade advém também do fato de as análises prescritivas das GTs serem feitas com exemplos isolados, não situados num dado discurso/contexto.
Embora algumas gramáticas apontem as diferenças entre coordenação e subordinação, essas são diferenças semânticas, o que acarreta a mistura e a indefinição de critérios, pois ora se faz uma análise baseando-se na sintaxe, ora na semântica, o que leva a uma caracterização ora como dependente ora como independente para as cláusulas subordinadas (DECAT, 1999:301).
A fim de evitar esses equívocos, Thompson (1984) e Haiman & Thompson (1984) (apud DECAT (1999)) revelaram a existência de diferentes tipos de dependência, os quais vão exercer diferentes tipos de funções no discurso: (i) cláusulas independentes são aquelas que representam opções organizacionais para os falantes, como as cláusulas adverbiais, as participiais e as adjectivas não-restritivas e (ii) cláusulas dependentes são aquelas que estão relacionadas com os factos da gramática da língua, cuja dependência é marcada pela escolha do item lexical, como as cláusulas relativas restritivas, as cláusulas-complemento e as que são de preposição.
Thompson aponta para a independência organizacional das cláusulas dependentes. Com isso, ela revela que, pragmaticamente, todo enunciado é dependente, uma vez que ele requer um contexto em específico para sua interpretação e uma vez que ele é produto de uma enunciação que ocorre inserida em um dado contexto discursivo. Assim, podemos dizer que temos uma chamada dependência pragmática.
Nesse ínterim, um ponto divergente entre esse estudo e o das GTs reside no fato da não percepção, por parte das GTs, quanto à identificação das cláusulas subordinadas ou dependentes, que só pode ser, eficazmente, realizada se atentar para os termos discursivos.
Também dentro de modernas análises linguísticas acerca desse tópico, noções sobre subordinação e dependência (DECAT, 1999: 301) mostraram-se insuficientes, na medida em que não abriram possibilidades de se dar conta da função a que uma cláusula adverbial serve numa porção maior do discurso, e isso se dá em função da manutenção das análises ao nível frase e ao critério formal da presença do conectivo, o que acarreta a fixidez do número de relações (DECAT, 199:302).
Num trabalho semelhante, Carvalho (2004) apresenta que, diante de uma referência funcionalista dos critérios taxinómicos, estes estudos vêm revelar a insuficiência das abordagens tradicionais para a análise dos processos sintácticos de articulação devido a:
(1) insuficiência das dicotomias coordenação/subordinação e / ou parataxe/hipotaxe para descrever todos os tipos de sentenças complexas; (2) a insuficiência da noção de (in)dependência (formal ou semântica) para se estabelecer a diferença entre as sentenças coordenadas e subordinadas; (3) a redefinição da noção de (in)dependência a partir de critérios discursivos ou pragmáticos e (4) a assunção de que as chamadas orações subordinadas [da GT] compreendem, na verdade, dois tipos de estruturas sintácticas: estruturas de hipotaxe e encaixamento. (CARVALHO, 2004:23)
O que se propõe é a consideração da competência comunicativa do falante na produção de sentidos e na construção de seu discurso. Daí é que devem emergir os significados ocasionados pela contiguidade das cláusulas numa sequência maior do texto. Desta forma, a proposição relacional se constitui como uma informação transmitida pelo texto, construída pelo falante, e como um fenómeno de combinação, definido no texto, e que permite perceber a relação entre as partes.
Decat revela que a proposição relacional se caracteriza como sendo mais funcional do que formal, uma vez que decorre da competência comunicativa do usuário da língua para fazer fluir a informação pertinente ao momento da interacção verbal (DECAT, 1999:304). E, ainda, que a relevância desse estudo está centrada na relação existente entre as cláusulas e as funções a que elas servem em decorrência dos objectivos comunicativo-interacionais dos falantes (DECAT, 1999:316).
Nesse ponto, surge a noção das falsas coordenadas (DECAT, 1999), cuja característica principal é a de serem estruturas claramente coordenadas, mas que trazem em si uma proposição relacional de condição, causa-consequência, e essa relação é propiciada pelas inferências que desprendem delas, como podemos verificar nos exemplos a seguir.
Análise de dados
A fim de ratificar a teoria exposta, colectei alguns exemplos de campanhas publicitárias nas quais a presença formal de conectivos, como a conjunção aditiva e, ou a ausência deles, no caso da justaposição, não devem ser levadas em consideração como fontes únicas para a classificação sintáctica, já que a relação semântica que pode ser depreendida das sentenças revela uma relação de condicionalidade ou de causa-consequência.
iii. “Mude para a Vodacom e ganhe mais vantagens no seu pré-pago.” (Propaganda Publicitária Vodacom, Revista TVZine, 20/04/2007).
Aqui, um possível desdobramento seria: se você mudar para a Vodacom, você vai ganhar mais vantagens no seu pré-pago. Diferentemente do esperado, já que a sentença é ligada por uma conjunção coordenada aditiva e, aqui temos um exemplo de falsa coordenada, pois a proposição relacional estabelecida entre as sentenças não é a de adição, mas pode ser de condicionalidade, causa-consequência.
Um outro exemplo:
iv. “Falou. Ganhou.” (Propaganda da operadora de telefonia móvel MCel, outdoor, Av. Karl Marx, Maio/2008).
Neste exemplo, quanto à proposição relacional, ocorre o mesmo que no exemplo (iii), já que aqui a relação é de causa-consequência, já que você falou, ganhou e também de condicionalidade, se você falar, você vai ganhar. A diferença entre (iii) e (iv) reside no facto de que, numa análise tradicional, as construções em (iv) seriam enquadradas como justapostas, dado que não há a presença formal de nenhum conector entre elas. Porém, é possível percebermos a relação de subordinação que há entre estas orações.
Nos exemplos (v) e (vi) a seguir, podemos visualizar falsas coordenadas:
v. “Publique em um jornal com 178 anos de tradição e faça parte da história”.(Propaganda Jornal do Comercia Brasil, Revista Época, 22/03/2006).
Aqui, sob a perspectiva da GT, análises que atribuíssem às duas cláusulas a classificação de coordenadas seriam assim: a primeira, “Publique em um jornal com 178 anos de tradição”, seria classificada como assindética; e a segunda “faça parte da história”, sindética aditiva. Entretanto, sabemos que nesse caso temos uma relação de condição, que, pela fixidez da classificação, não é percebida nas análises tradicionais.
Em (vi) o mesmo ocorre, uma falsa coordenada que traz em si a relação de condição:
vi. “Dê um boticário no dia das mães e transforme a sua numa linda mulher”.(Propaganda para o dia das mães d’Boticário, Revista Época, Abril/2006).
Tais exemplos confirmam a noção de que se deve observar o discurso/contexto, para que as definições e reais funções no que tange à coordenação e à subordinação sejam, efectivamente, mais próximas da intenção enunciativa dos falantes, descartando as noções engessadas das gramáticas tradicionais.
Conclusão
Partindo das análises das gramáticas tradicionais e unindo a essas análises as perspectivas da linguística funcionalista acerca dos estudos sobre subordinação e coordenação, chegamos à conclusão de que a tentativa de elaboração de um conceito, realmente, eficaz, deve ser extraída da reflexão sobre as duas perspectivas.
No que concerne às classificações, a GT apresenta caminhos que se mostram fixos e que, como exposto no desenrolar deste trabalho, esbarram-se com exemplos limítrofes entre coordenação e subordinação e que, portanto, devem ser revisitados. Um bom exemplo disso reside nas falsas coordenadas.
Quanto à subordinação, notamos uma certa convergência, já que tanto nas GTs pesquisadas, quanto na perspectiva funcionalista, subordinadas são aquelas em que há uma relação com a oração principal, na qual se ligam. Além dessa ligação, as subordinadas desempenham certa função sintáctica. Contudo, há casos que extrapolam, como as falsas coordenadas, que embora tenham um formato de coordenadas, mantém entre si uma relação de subordinação.
De acordo com as GTs, a relação de dependência da subordinação estaria vinculada à presença de conectores. E ainda, de acordo com elas, as cláusulas subordinadas não teriam existência própria, como um enunciado independente, o que não é verdadeiro.
Concluímos também que, dentro de modernas análises linguísticas acerca desse tópico, noções sobre subordinação e dependência mostraram-se insuficientes, na medida em que não abriram possibilidades de se dar conta da função a que uma cláusula adverbial serve numa porção maior do discurso. Isso se dá em função da manutenção das análises ao nível frásico e ao critério formal da presença do conectivo, o que acarreta a fixidez do número de relações (DECAT, s/d).
Foi exposto também que, como a GT baseia-se somente em exemplos isolados, geralmente recortados de obras literárias, ela apresenta lacunas, visto que somente a interacção enunciativa de um falante num dado contexto discursivo é que possibilita inferir possibilidades de interpretação dos enunciados.
Embora algumas gramáticas apontem para diferenças entre coordenação e subordinação, estas diferenças são semânticas, o que acarreta a mistura e a indefinição de critérios, pois ora se faz uma análise baseando-se na sintaxe, ora na semântica, o que leva a uma caracterização ora como dependente ora como independente para as cláusulas subordinadas. Isso culmina em uma definição não muito clara, repleta de excepções, que poderia ser melhor explanada se se levasse em consideração a questão pragmática, do discurso, enfim, da análise situada das expressões.
O que visualizamos nas definições da GT é a fixação de regras, porém, ao utilizar uma língua, o falante não o faz de forma engessada. Ele a modifica constantemente. Assim, uma análise prescritiva não é satisfatória, na medida em que, com certeza, não abarcará todos os casos.
Uma possível solução pode ser encontrada na adequação dos conceitos à variedade da língua, em outras palavras, na consideração de uma análise que verse sobre a descrição e posterior formatação dos conceitos, o que vem sendo feito pelas novas correntes linguísticas.
Desta forma, cláusulas como “Falou. Ganhou”, que num contexto são perfeitamente compreendidas pelos falantes, poderiam ser classificadas se se levar em consideração a pragmática, e dentro dela a semântica e a sintaxe, em suma, se se levar em consideração a funcionalidade da língua.
Referências Bibliográficas
• AZEREDO, José Carlos. Fundamentos de Gramática do Português. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2000.
• BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed. Rio de Janeiro, Lucerna, 2003.
• CARVALHO, Cristina dos Santos. Processos intáticos de articulação de orações: algumas abordagens funcionalistas. VEREDAS- Ver. Est. Ling., Juiz de Fora, v. 8, n.1, p.9-27, Jan./Jun. 2004.
• CEREJA, Wiliam Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens, produção de texto e gramática. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo, Atual, 1999.
• CUNHA, Celso & CINTRA, Luís L. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985.
• DECAT, Maria Beatriz Nascimento. Uma abordagem Funcionalista da Hipotaxe Adverbial em Português. In: Série Encontros. Descrição do Português: abordagens funcionalistas. ano XVI, nº1. Araraquara, Unesp, 1999.
• GARCIA, Othon M. Comunicação em Prosa Moderna. 23ªed. Rio de Janeiro, FGV, 2003.
• HOPPER, Paul J. & TRAUGOTT, Elizabeth C. Grammaticalization. Cambridge, Cambridge University Press, 1993.
• ILARI, Rodolfo. Lingüística Românica. São Paulo, Ática, 1999.
• MUSSALIM, Fernanda & BENTES, Ana Christina (orgs.). Introdução à Lingüística: Fundamentos epistemológicos. São Paulo, Cortez, v. 3, 2004.
• SAVIOLI, Francisco Platão. Gramática em 44 lições. 31ºed. São Paulo, Ática, 1999.
• VILLELA, Mário & KOCH, Ingedore Villaça. Gramática da Língua Portuguesa. Coimbra, Livraria Almedina, 2001.
Texto de exposição ou expositivo
Texto de exposição ou expositivo
1. Definição
Segundo Nascimento & Castro Pinto (2006:136), é próprio de um texto expositivo apresentar uma questão, situação ou problema, de modo a que os destinatários obtenham um conhecimento, tanto quanto possível, completo sobre o que se explana.
Quem expõe quer ser compreendido. Para alcançar este objectivo, tem de usar os meios que, na circunstância concreta, melhor tornem a mensagem eficazmente inteligível e aceitável. (Idem).
Falando sobre o texto expositivo-explicativo, Júnior et ali (S/D), referem que existe determinado tipo de textos, sobretudo os que se destinam a divulgar conhecimentos científicos, que parecem, à primeira vista, extremamente obscuros e de difícil compreensão, devido à utilização de terminologias científicas, instrumento criado não para prejudicar a compreensão, mas para exprimir, com maior precisão, os fenómenos estudados. Para estes textos o objectivo fundamental é a exposição do saber e a sua explicação.
Segundo estes autores o texto expositivo explicativo apresenta a seguinte organização:
2. Organização textual
Para facilitar a sua compreensão, o texto expositivo-explicativo apresenta a seguinte organização retórica (a retórica é a arte de bem falar e bem escrever, um conjunto de regras relativas à eloquência). (op.cit)
a) Momento de questionamento (introdução) – relativa à delimitação do tema, onde se faz referência aos antecedentes e se apresenta o estado da questão. Isso concretiza-se através da denominação, definição ou composição dos termos ou elementos;
b) Momento de resolução (desenvolvimento) – correspondente ao corpo do trabalho. Nele apresentam-se os dados de forma sistemática, interligando-os. O articulado é caracterizado por raciocínio lógico, ou melhor, a demonstração com enunciados que encerram os resultados, sua descrição e caracterização, as transformações e os processos verificados;
c) Momento de conclusão – não necessariamente presente em todos os textos, mas existindo poderá decorrer do questionamento inicial e apresentar-se-á sob a forma de apelo, persuasão ou recomendações a ser observada pelos interessados, modificando a sua atitude inicial.
3. Características discursivas e linguísticas
O texto expositivo-explicativo tem uma textura própria que o distingue das outras formas de discurso. Deste modo, de acordo com Sebastião et ali (1999) este género textual é composto por três tipos de enunciados, a conhecer:
i. Enunciados de exposição – contendo uma sucessão de informações que visam fazer saber. Caracterizam-se pela ausência de marcas gramaticais da primeira e segunda pessoas, cuja intenção é não fazer transparecer a presença do sujeito enunciador, pelo uso do presente e do pretérito perfeito do indicativo e pelo recurso à forma passiva. Sublinhe-se que às vezes pode também ocorrer enunciados descritivo que, por se situarem numa perspectiva histórica, se apresentam no pretérito perfeito simples ou composto, ou no pretérito imperfeito do indicativo.
ii. Enunciados de explicação – que têm como finalidade fazer compreender o saber transmitido. Os que são caracterizados pela recorrência a construções de detalhes, visando facilitar a compreensão do fenómeno, através de comparações e reformulações parafrásticas como (à semelhança de…;quer dizer…; etc.) são também caracterizados pelo uso de asserções afirmativas ou negativas.
iii. Os enunciados que marcam as articulações do discurso ou metadiscursivos ou, ainda, “balizas” – anunciam o que vai ser dito através de títulos, subtítulos, numerações, sublinhados e de mudanças tipográficas; resumem o que se disse. Estes permitem que o enunciador comente o desenrolar dos acontecimentos. Caracterizados pelo uso dos pronomes (sobretudo, o se passivo), por fórmulas de imperativo (observemos…, analisemos…, etc.) pelo uso de deícticos temporais (primeiro…, segundo…, agora…, finalmente…, etc.).
Portanto, o texto expositivo-explicativo por ser um discurso de verdade, o seu objectivo é isento de ataques. A sua objectividade manifesta-se através de formas linguísticas próprias. É emitido por um locutor detentor de um conhecimento e de um domínio sobre o assunto. Quando se põe em causa esta autoridade, entra-se em polémica, perdendo-se, assim, o estatuto de texto de explicação.
Para além dos modos de comunicação já referidos, encontra-se também, neste tipo de texto os seguintes:
a) Emprego da passiva
O texto expositivo-explicativo, geralmente, abstrai o sujeito entanto que membro duma sociedade determinada; neutraliza-se tudo que possa resultar de uma apreciação pessoal, subjectiva.
Assim, a forma passiva é um mecanismo para tornar impessoal o discurso científico; é usado como uma estratégia de objectividade, de afastamento do sujeito enunciados do seu discurso, embora, em alguns textos possamos identificar um nós/eu, estará desprovido do valor individualizante. Por se tratar de um discurso monológico vamos observar a ausência de tu.
b) Nominalizações – processo que consiste na transformação de um sintagma verbal ou adjectival num nome. Permitem condensar o que foi dito, assegurar uma determinada orientação da reflexão.
c) Emprego de um presente com valor genérico
O presente genérico ou estativo faz com que as verdades perdurem, independentemente do momento em que são enunciadas. Este tempo verbal não pode ser oposto a um passado ou a um futuro; é uma forma temporal “zero”
d) Uso de expressões que explicitam os conteúdos veiculados – as expressões explicativas têm um papel importante nos textos expositivos-explicativos, permitindo ao emissor tornar mais clara a sua comunicação e orientar a compreensão do receptor.
e) Articuladores [conectores (conjunções, locuções, preposições)] – são elementos que asseguram as relações entre as diversas partes do texto, quer a nível intrafrásico, interfrásico, quer entre parágrafos.
Estes conectores podem marcar laços de adição (também, igualmente), oposições (mas, ao contrário, …), laços de consecução ou de causalidade (porque, visto que, dado que, …).
Técnicas de construção textual
Coerência e coesão
Para Nascimento & Castro Pinto (2006), os conceitos de coesão (ligação das palavras entre si, segundo as regras ou mecanismos da gramática da língua) e de coerência (ligação lógica das ideias) estão intimamente ligados. Assim, a constituição de um texto, segundo Alves & Moura (2005:346), alicerça-se na coerência (selecção de conceitos ou ideias adequados e compatíveis à sequência do discurso) e na coesão (organização das palavras na/s frase/s de acordo com as regras gramaticais ou formais da estruturação da língua).
A coerência e a coesão possibilitam a conectividade do texto, a sua construção unificada, a interdependência dos seus elementos lógicos e gramaticais. (Idem).
Portanto, há coerência textual ou discursiva (também chamada coerência conceptual) quando o que é transmitido pelo texto corresponde àquilo que os destinatários aceitam como a organização do mundo “normal”; o mundo em que as pessoas realmente vivem, se relacionam e trabalham. Deste modo, há coerência textual quando esse texto apresenta os acontecimentos ou situações na sua ordem lógica, quando as relações entre os estados das coisas ou as características dos objectos estão de acordo com a experiência e as expectativas humanas.
Para garantir a coerência textual existem princípios a seguir.
Alves & Moura (2005:346) apresentam o seguinte quadro de princípios de coerência textual:
P
R
I
N
C
I
P
I
O
S
Recorrência Recursos
Pronominalizações – utilização de um pronome que possibilita a distância, a repetição de um sintagma ou até de uma frase inteira.
Geralmente, o referente antecipa o pronome (anáfora)
Ex.: “Os alunos foram ao campo. Eles divertiram-se muito.”
Às vezes, o pronome antecipa o seu referente (catáfora).
Ex.: “Só tenho a dizer-te isto: tu não és verdadeiro.”
Expressões definitivas – uso de expressões que permitem relembrar um elemento de uma frase, numa outra sequência textual.
Ex.: “A Rita comprou uma casa. As dimensões da casa são…”
Substituições lexicais – substituição de vocábulos.
“Os estudantes fizeram ontem o teste de Gestão. A prova foi dificílima.
Retomas de inferências – relação estabelecida por meio de conteúdos semânticos implícitos.
Ex.: “Estiveste à espera dele? Não, fui com o Tomás.”
Progressão – renovação constante da informação semântica.
Ex.: “Vou ao mercado. À volta passo por sua casa.
Não-contradição – não introdução de elementos semânticos que entrem em contradição com outros conteúdos já apresentados de forma implícita.
Ex.: “Todos os estudantes desta turma têm material didáctico. Mas alguns não estudam.”
Relação – relação obrigatória de todos os factos enunciados com a realidade apresentada no texto.
Ex.: “O edifício pegou fogo. Comunicou-se aos bombeiros. A sua chegada ao local demorou uma hora.”
Por sua vez, a coesão é o modo como os componentes superficiais do texto (palavras e frases) se encontram ligados entre si; o modo como o ouvinte ou leitor realmente ouve ou lê esses elementos. Trata-se pois, de uma relação gramatical ou lexical entre unidades do texto, em que são fundamentais as relações transfrásicas.
As relações de coesão que se situam no interior da frase coincidem, frequentemente, com as relações dos constituintes.
São muito os processos linguísticos formais que servem para ligar as diferentes partes de um texto, como por exemplo:
A concordância – o sujeito da frase determina o género (masculino-feminino) e o número (singular-plural);
A ordem das palavras na frase – na Língua Portuguesa a frase padrão é declarativa com a seguinte estrutura sintáctica: sujeito + verbo + complemento(s), mas, por vezes, pode apresentar omissão de alguns elementos ou alteração da sua ordem lógica, por interesse ou intencionalidade (implícita ou explícita) do locutor.
Os conectores ou articuladores discursivos são também palavras ou expressões que sequencializam as ideias e estabelecem relações entre elas. Algumas conjunções e locuções coordenativas e subordinativas são utilizadas como articuladores do discurso. A sua utilização facilita a compreensão global do texto, por isso, a utilização incorrecta desses articuladores do discurso poderá ter como consequência a produção de um discurso ilógico, absurdo e confuso. Devem, pois, seleccionar-se correctamente, de acordo com a intencionalidade do texto que se constrói, visando a coerência, clareza e concisão da mensagem.
Em suma, a coerência tem a ver com as relações semânticas de conteúdo e a coesão se reporta aos elementos que fazem a adesão dos elementos entre si. Esses elementos constroem a textura da sequência: fazem da sequência um texto.
Bibliografia
ALVES, Filomena M. & MOURA, Graça B. Página Seguinte: Português 11º Ano; Lisboa, Texto Editores, 2005, pp. 346-448.
MATEUS, Maria H. M. & et ali. Gramática da Língua Portuguesa; Lisboa, 6ª ed., Editorial Caminho, 2004.
NASCIMENTO, Zacarias & CASTRO PINTO, José Manuel de. A Dinâmica da Escrita – como escrever com êxito; Lisboa, 5ª ed., Plátano Editora, 2006.
REIS, Carlos & LOPES, Ana Cristina M.. Dicionário de Narratologia: Coimbra, 7ª ed. Almedina, 2002.
SEBASTIAO, Lica et ali. Português 11ª Classe: textos e sugestões de actividades; Maputo, Diname, 1999, pp. 13-18.
O desabrochar da Poetisa Tânia Tomé
O desabrochar da Poetisa Tânia Tomé
NAS literaturas africanas de língua portuguesa sempre houve discrepância entre a quantidade de vozes femininas actuando nas letras. No caso de Moçambique, dois nomes do período colonial durante o século XX foram de enorme relevância, falamos de Noémia de Sousa e Glória de Sant’Anna. Apesar desses dois nomes históricos, veio a independência do país em 1975 e as décadas de 1980 e 1990, mas poucos nomes femininos despontaram no panorama literário moçambicano, apesar do sucesso da prosa de Paulina Chiziane para além das fronteiras da nação.Maputo, Quarta-Feira, 27 de Julho de 2011:: Notícias
Entretanto, onde se encontra a poesia moçambicana de autoria feminina do pós-independência, mais precisamente da virada do século XX para o XXI? Em longo artigo sobre a poesia moçambicana contemporânea, a ensaísta brasileira Carmen Lucia Tindó Secco fez as seguintes considerações:
Ao tecermos o perfil da poesia moçambicana contemporânea, detectamos uma ausência quase completa de mulheres-poetas. Ecoam ainda vozes antigas: algumas questionadas, em determinados aspectos, como a de Noémia de Sousa (...) e outras reverenciadas, entre as quais a de Glória de Sant’Anna. (...) Clotilde Silva (...) é pouco conhecida fora de Moçambique. Concluímos, assim, que, de modo geral, na produção lírica da pós-independência, não há, por enquanto, como já se delineia com visibilidade na ficção, com Paulina Chiziane, Lília Momplé e Lina Magaia, uma significativa dicção ‘no feminino’. Na poesia, o grito de ‘ser mulher’ ainda é o de Noémia de Sousa, de Glória de Sant’Anna. (SECCO, p. 299-300).
Os pertinentes comentários de Tindó Secco são confirmados quando nos deparamos com a relação de títulos publicados na edição comemorativa de 25 anos da Associação dos Escritores Moçambicanos, de 2007. Nela, constatamos a presença dos nomes poéticos consagrados no passado como Noémia de Sousa e novas vozes, casos de Clotilde Silva, Isa Manhinque, Rinkel e Sónia Sulthuane. Ou seja, é realmente tímida a presença de poetisas com a estampa do livro.
Felizmente, uma novíssima voz feminina moçambicana revelou-se neste último decênio. A consagrada cantora e declamadora Tânia Tomé, nascida em Maputo (1981), lança em 2008 o seu livro de estreia em poesia, “Agarra-me o sol por trás”, que, em 2010, ganha uma edição brasileira, agora intitulada “Agarra-me o sol por trás (e outros escritos e melodias)”, organização e prefácio de Floriano Peixoto, ilustrações de Eduardo Eloy, textos críticos de António Cabrita e Francisco Manjate, e uma entrevista da poetisa ao organizador. Trata-se de uma caprichada edição da editora paulista Escrituras, inserida na coleção Ponte Velha, que publicou anteriormente “O osso côncavo e outros poemas”, antologia poética de Luís Carlos Patraquim, “Lisbon Blues seguido de Desarmonia”, de José Luiz Tavares, e “A cabeça calva de Deus”, de Corsino Fortes. Os dois últimos são poetas cabo-verdianos.
A poesia de Tânia Tomé desvela uma nova dicção erótica prenhe em sinestesia, em que a metapoética se torna presente em uma linguagem que mostra o árduo e doloroso trabalho de sua tessitura poética, como em “Poema Impossível”: “Meu corpo impossível/ não me comas inteiro/ o possível poema/ que me subsiste/ deixa/ que deságue,/ que no abrigo/ os seus pedaços/ façam sentido./ Porque aí/ onde mais me dói escrever/ reside a alma.” (TOMÉ, p. 2010, p. 40). Desejo ininterrupto de entrega ao amor: “Não me salves, selva-me” (idem, ibidem, p. 17) e erotização moçambicanamente índica atravessando o jazzístico som do corpo do sujeito lírico: “E tu comigo, cá dentro, lá fora/ amando-me na medida do ritmo/ de um jazz cálido frenético./ Abraço do Índico, o piano/ atravessa as fronteiras que nos distam,/ recria o sopro do teu sax/ no meu corpo” (idem, ibidem, p. 48). Poesia que desabrocha um novo cântico, um novo ser a descobrir: “e não me perguntes/ quem é esta mulher/ que cresce comigo/ nas raízes profundas/ da flor do meu corpo” (idem, ibidem, p. 30).
Viagem ao âmago do ser, a poesia brota de uma vontade visceral e insana ao lapidar o “osso das palavras/ (...) uma asa cede-me a loucura/ e a noite me engole nesse desespero alucinante” (idem, ibidem, p. 13). Força criativa erotizando a linguagem, “despindo os versos um a um no centro deste poema” (idem, ibidem, p. 15), a nudez descontrolada do sujeito lírio manifesta-se na ânsia voraz de escrever, “e há um desejo insano de desfigurar a branca página” (idem, ibidem, p. 15).
Insanidade que conduzirá o sujeito lírico para se desprender da matéria à procura dos elementos do ar, signo da liberdade, da transcendência, é a poesia na busca da ampliação dos sentidos do verbo poético e surge a indagação: “Mas em que lugar da asa/ a palavra poderia ser mais bela?” (idem, ibidem, p. 41). Entretanto, não há resposta, há inquietação, há a incessante carpintaria da palavra e “o voo/ vai completamente fora/ da asa” (idem, ibidem, p. 26) para dizer o indizível. As palavras, tais quais as conhecemos, não cabem mais em seu discurso, por isso o uso de neologismos (cantoema, reflesou, amortradoxo, showesia) tenta suprir a necessidade do sujeito lírico. Sobre o sentido das palavras no poema, Octavio Paz afirma que:
“um poema que não lutasse contra a natureza das palavras, obrigando-as a ir mais além de si mesmas e de seus significados relativos, um poema que não tentasse fazê-las dizer o indizível, permaneceria uma simples manipulação verbal. O que caracteriza o poema é sua necessária dependência da palavra como sua luta por transcendê-la. (PAZ, 1972, p. 52).
E é na tentativa de expressar o indizível que as palavras transcendem imagens inusitadas em metáforas insólitas e impactantes, típicas do surrealismo, reveladas na veemência do poema “Abismo sol adentro”: “Agarra-me/ o sol/ por trás.// Escuta no vento/ a tua mão/ secreta” (TOMÉ, p. 2010, p. 19).
Em depoimento constante no livro, Tânia Tomé afirma que “a música influencia muito na minha poesia, não só nas palavras, mas na escolha das palavras que vêm a seguir, é tudo uma questão musical, é um processo muito natural” (idem, ibidem, p. 107). Seu sujeito lírico procura unir a música e a poesia para cantar a sua terra moçambicana: “Um cântico inteiro em abraços de terra nos lábios/ o poema que ainda irei escrever/ marrabentando-me/ urgente” (idem, ibidem, p. 63); no envolvimento com o seu chão e na valorização dos aspectos culturais tradicionais da dança, da música e seus instrumentos: “Na gala-gala percorrendo-me o tronco/ lentamente/ no toque das timbilas nas mãos,/ ecoando cântico chamamento dos tambores/ E no embrião dos mpipis/ mergulhados nas sílabas das cores deste sangue” (idem, ibidem, p. 55).
Pertencimento ao país que faz recordar o poeta maior José Craveirinha e o seu célebre poema “Hino à minha terra”, amor à terra que é renovado por essa jovem poetisa com o canto intitulado “Meu Moçambique”: “Eu sei-me Moçambique,/ no cume das árvores, na sede incontinente/ da minha falange, do Rovuma ao Incomati,/ no xigubo terrestre dos pés descalços/ e em todos os tambores que surdem/ das mãos coloridas nos braços em chaga” (idem, ibidem, p. 47).
“Escrevendo muhipiti/ no surrealismo do Índico” (idem, ibidem, p. 69), versa o sujeito lírico. Para além do surrealismo por vezes visceral como o de Craveirinha, encontramos ressonâncias de outros grandes poetas moçambicanos, ora nos cantos à ilha de Moçambique e referências ao Índico a recordar Rui Knopfli, ora na lírica erótica e nas citações aos elementos da natureza como o ar e a água de Eduardo White e Luís Carlos Patraquim.
Na confluência das artes que a poesia de Tânia Tomé desvela um mundo de letras sonoras, de um erotismo exacerbado e de uma entrega violenta para ressemantizar a palavra. Em suas metáforas dissonantes e viscerais, com poemas que arriscam e transmitem a inquietação de uma poetisa que procura tirar da inércia os sentidos desgastados do verbo, este “Agarra-me o sol por trás (e outros escritos e melodias)” de Tânia Tomé surge como promessa de uma voz feminina que veio para ficar na poesia moçambicana contemporânea.
BIBLIOGRAFIA
ASSOCIAÇÃO DOS ESCRITORES MOÇAMBICANOS. Memorial 25 anos. AEMO, 2007.
PAZ, Octávio. A consagração do instante. In: Signos em Rotação. São Paulo: Perspectiva, 1972.
SECCO, Carmen Lucia Tindó. Paisagens, memórias e sonhos na poesia moçambicana contemporânea. In: A magia das letras africanas – ensaios escolhidos sobre as literaturas de Angola e Moçambique e alguns outros diálogos. Rio de Janeiro: ABE Graph Editora, 2003. pp. 280-306
TOMÉ, Tânia. Agarra-me o sol por trás (e outros escritos e melodias). São Paulo: Escrituras Editora, 2010.
Ricardo Riso
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Verbos de trajectória: uma análise sintáctico-semântica (Caso do Português Moçambicano))
Introdução
Os verbos são uma classe gramatical que, sendo o núcleo de uma frase, merecem um tratamento específico, de forma a permitir o seu melhor uso, sem se cair, por conseguinte, em questões de agramaticalidade, seja no concernente à selecção dos verbos para determinadas acepções, como também a selecção dos seus argumentos, particularmente dos itens linguísticos (lexicais ou não). Assim, propicia-se a ligação lógica entre o verbo e os seus complementos/ argumentos.
Trata-se de uma pesquisa descritiva da subclasse dos verbos de trajectória . Entretanto, são convocados elementos teóricos que auxiliarão na distinção de algumas funções sintácticas e semânticas, tais como adjunção e complementação.
0.1. O problema da investigação
Pretendemos, nesta pesquisa, tratar da questão dos tipos preposições que ocorrem com os verbos de trajectória no PM e a relacionar o corpus composto por frases que apresentam verbos de movimento, especialmente os que acarretam trajectória, com as Regras de Correspondência entre a estrutura semântica e a estrutura sintáctica.
Existem preposições que atribuem papel temático e caso, tendo, portanto, funções semântica e sintáctica. Essas preposições, como o assumido pela literatura em geral, são projectadas na Sintaxe em posição de adjunção. Como os papéis temáticos de tais preposições não são directamente regidos pelo verbo, elas podem ser mudadas, respeitando-se, contudo, a compatibilidade lexical. São as chamadas preposições predicadoras.
Há, entretanto, preposições que introduzem um terceiro e/ou quarto argumentos, que são argumentos internos do verbo e não o chamado argumento default, proposto por Pristejovsky (1996) seleccionados por essas preposições. A esse tipo de preposição, chamamos de funcionais.
Ou ainda, existem preposições, que marcam a alternância sintáctica como ergativização, passivização, tópico, entre outras, e que também introduzem argumentos que são regidos pelos verbos . Segundo Cançado (2005), o argumento introduzido por este tipo de preposições aparece como adjunto na representação sintáctica. Essas preposições também têm um comportamento puramente funcional.
E, ainda, há também as preposições inerentes ao verbo, chamadas de preposições idiomáticas por Neeleman (1994). Essas preposições aparecem em posição de argumento interno e não podem ser alteradas, parecendo fazer parte do verbo.
As preposições predicadoras que ocorrem em posição de adjunção podem ser mudadas de acordo com o sentido desejado e, evidentemente, de acordo com as compatibilidades lexicais. Estas preposições, que, a princípio, parecem ocorrer com verbos que denotam movimento, são problemáticas para a proposta de Cançado (2005). Portanto, esse será um primeiro problema a ser investigado por este trabalho: como classificar essas preposições?
Um segundo problema a ser investigado tem relação com as regras de correspondência entre a sintaxe e a semântica, fundamentadas numa hierarquia temática.
Um terceiro ponto a ser abordado por este trabalho é uma decorrência (co-ocorrência) dos dois pontos apresentados acima.
Com base no exposto acima, podemos estabelecer, pois, que os objectivos desta pesquisa são:
0.2. Objectivo Geral
• Investigar as preposições em ambientes linguísticos compostos por construções que apresentam verbos de movimento, particularmente os que apresentam trajectória no PM.
0.3. Objectivos específicos
• Identificar as diferentes ocorrências das preposições no verbos de movimento, estabelecendo a que tipo de preposição essas ocorrências estão relacionadas;
• Identificar a subclasse de verbos (de trajectória) que não apresentam argumentos preposiconados;
• Descrever o comportamento sintáctico-semântico de verbos de trajectória do PM;
• Classificar as preposições que ocorrem com os verbos de trajectória;
• Identificar as diferentes ocorrências das preposições com os verbos de trajectória.
0.4. Importância do tema
As breves considerações atrás apresentadas sobre os verbos de movimento e a sua problemática demonstram o quão importante será o estudo mais aprofundado desta classe verbal, uma vez que a partir deste podemos ver o contexto em que são usadas determinadas preposições e as implicações inerentes ao uso desapropriado das mesmas; bem como a selecção de preposições, de acordo com a sub-classe dos verbos, respeitando as suas propriedades sintáctico-semânticas.
Assim, o tema é muito importante, dado que, para além de constituir uma contribuição no ensino de uma determinada língua, no caso da Língua Portuguesa, irá contribuir para o melhoramento da competência comunicativa, oral e escrita, bem como para o desenvolvimento das capacidades de análise e de raciocínio do aluno mediante a um conhecimento explícito do modo como se organiza e funciona a língua.
0.5. Motivação
Foi-nos imperiosa a escolha deste tema ao depararmo-nos com certas situações de mau uso da língua, isto é, indivíduos que têm níveis académicos “elevados” e são, simultaneamente, detentores de graves problemas de comunicação, no concernente à selecção de preposições que introduzem os argumentos dos verbos de movimento, que acarretam movimento.
Assim, tivemos a necessidade de chegar mais perto para ver quais são as possíveis origens desses problemas linguísticos.
0.6. Estrutura do trabalho
O trabalho está dividido em quatro partes. Como se pôde ver, nesta parte, colocamos a introdução, em que estão expostos os motivos pelos quais a pesquisa foi desenvolvida, os problemas a serem investigados, um breve percurso de algumas pesquisas existentes sobre verbos de movimento e as partes que compõem a monografia.
O Capítulo 1 é constituído pelo quadro teórico, que fundamenta os estudos desenvolvidos. O trabalho de Cançado (2005) resumido e discutido ao longo capítulo. As propostas de Cançado (2005) são a base fundamental para esta pesquisa, pois servem de sustentação e ponto de partida para os problemas que são analisados ao longo do Capítulo 3.
No Capítulo 2, apresentamos as metodologias que adoptamos para a realização deste trabalho.
No Capítulo 3, são apresentados: a) os dados do corpus, cujo levantamento se deu a partir de pesquisa em dicionários e de intuição compartilhada com outros falantes da língua; b) a divisão dos dados em classe: foram encontradas seis classes cujos dados se assemelham do ponto de vista semântico e sintáctico; c) a descrição das classes, levando-se em conta o comportamento dos dados mediante à aplicação de testes de apagamento, deslocamento, substituição de argumentos e testes de aspecto (aksionsart); d) a análise e possíveis generalizações feitas a partir da aplicação dos testes.
No Capítulo 4, aparecem as considerações finais feitas a partir da retoma dos objectivos, acompanhados dos resultados a que chegámos, com a devida exemplificação. Fizemos a descrição resumida do comportamento semântico-sintáctico apresentado pelos dados que compõem cada classe, apresentando algumas generalizações. E, finalmente, a proposta de emenda das Regras de Correspondência.
Foram colocados, em anexo, os dados do corpus (de forma sintética, dada a quantidade dos dados recolhidos) e os testes aplicados, que nos permitiram fazer algumas generalizações importantes para a pesquisa. Entretanto, vale a pena verificar como o comportamento específico de cada classe.
1. Fundamentação teórica
1.1. O papel temático: conceitualização, convergências e divergências
As noções de papéis temáticos são aceitáveis na maioria das teorias linguísticas. No entanto, por serem utilizadas de maneira pouco rigorosa e dadas como uma grande lista, sem haver uma convergência sobre as definições utilizadas, geralmente não são incluídas, de modo sistemático, numa teoria gramatical. Apesar de nos valermos de definições pouco convergentes na literatura, embora bastante intuitivas, com esta proposta, podemos reduzir o número dessas noções apresentadas até então pela literatura vigente. Partindo das ideias de Dowty (1989) sobre o uso de regências lexicais e da ideia de composicionalidade de Franchi (1997), os papéis temáticos são um grupo de propriedades atribuídas a um determinado argumento a partir das regências estabelecidos por toda a proposição em que esse argumento se encontra (Cançado, 2005). É a partir deste carácter mais flexível das regências e da abordagem composicional nas relações temáticas que se parte para a construção das Regras de Correspondência entre a Sintaxe e a Semântica, tendo os papéis temáticos como parte integrante de uma teoria gramatical.
Cançado (2005) apresenta um sistema em que não são os papéis temáticos que compõem as regras de correspondência entre a Sintaxe e a Semântica, como o usual na literatura, mas sim algumas propriedades semânticas que compõem esses papéis.
Segundo a autora, é problemático o estabelecimento de uma ordem entre os papéis. Entretanto, se houver determinada propriedade mais proeminente, o papel temático que a contiver será mais relevante, não importando, por exemplo, se é um experienciador ou um beneficiário. Esse tipo de sistema mostra-se mais vantajoso para o estabelecimento de uma hierarquia temática entre as funções semânticas, pelo menos em relação aos dados do PM.
1.2. Os papéis temáticos
As primeiras noções de papéis temáticos foram introduzidas por Gruber (1965), Fillmore (1968) e Jackendoff (1972), que alegaram que as relações gramaticais, tais como a de sujeito, objecto e outras, não eram suficientes para representarem as relações de dependência que existem em certas construções:
(1) a. O João abriu a porta com a chave.
b. A porta abriu.
c. A chave abriu a porta.
Seguindo a argumentação de Ilari e Geraldi (1987), em (1), temos construções que, apesar de apresentarem sujeitos distintos, não são distintas e sem relação, porque se referem a um mesmo evento no mundo. Entretanto, pode-se perceber que a porta exerce a mesma função semântica de ser paciente da acção verbal, embora tenha funções sintácticas diferentes; e o mesmo ocorre com o termo chave, cuja função semântica é de ser instrumento e a função sintáctica é de adjunção em (1a) e sujeito em (1c). Vemos, pois, que a Sintaxe não consegue estabelecer essas relações de dependência que estão ligadas ao sentido que relaciona o verbo e os seus argumentos. Portanto, cabe à Semântica estabelecer essas relações de dependência. Temos, então, o início do estudo das relações semânticas, chamadas de relações temáticas ou papéis temáticos.
Vejamos, pois, algumas definições de alguns papéis temáticos encontrados na literatura. Por exemplo, o agente, para Filmore (1968:45), é a função desempenhada por um ente animado que é responsável, voluntária ou involuntariamente, pela acção ou pelo desencadeamento dos processos; para Halliday (1967:123), é o elemento controlador da acção; para Chafe (1970:78), é algo que realiza a acção; incluindo aí animados, forças naturais e inanimados.
Já o instrumento, para Filmore (1968:47), é força inanimada ou objecto casualmente envolvido na acção ou estado, e causa imediata dos eventos, o estímulo de eventos psicológicos; inclui forças naturais; para Chafe (1970:79), é objecto usado pelo agente para realizar as acções; exclui força motivadora, causa, instigador activo.
O paciente, para Filmore (1968:49), é o elemento que é modificado no processo ou na acção; Chafe (1970:81) incorpora sob essa função o elemento que especifica aquilo que está em determinado estado ou recebe uma determinada descrição.
Finalmente, o objecto , para Filmore (1968:52), é caso semanticamente neutro, restrito a indivíduos animados ou não afectados pela acção ou estado, e entidade movida, ou que passa por uma mudança de estado; o conteúdo de uma experiência psicológica; caso neutro; para Chafe (1970:81), é também chamado de paciente: o que está em determinado estado ou tem alterado esse estado ou condição; e para Cook (1979:124), é o mesmo que tema em Gruber (1980): objecto em movimento ou deslocado; absorve o paciente de Chafe (1970) e objectivo de Filmore (1968).
Pelas citações, é possível perceber o quão divergentes, apesar de intuitivas, são as definições de alguns papéis. Essa inconsistência levou à desconsideração dos papéis temáticos como parte de uma teoria gramatical. No entanto, as noções citadas acima e outras mais exercem importante papel na descrição de uma língua. Citando Jackendoff (1990) e Culicover (1988), Cançado (2005) assume a necessidade de atribuição de um estatuto teórico aos papéis temáticos, fundamentando-se em evidências empíricas do português brasileiro que atestam a relevância do conteúdo semântico dos papéis temáticos para algumas propriedades sintácticas e até mesmo para a organização sintáctica das construções. Com base, principalmente, nos estudos de Jackendoff (1990), Dowty (1989), Franchi (1997), entre outros, Cançado (2005) apresenta uma proposta que trata os papéis temáticos como tendo um estatuto dentro de uma teoria gramatical.
1.3. Conceito de papel temático
As relações temáticas, em geral, ocorrem entre um verbo e seus argumentos. Exemplificando:
(2) João quebrou o vaso com um martelo.
Em (2), o verbo quebrar atribui papel temático a João (agente) e a vaso (paciente). Contudo, há autores que estendem essa atribuição de papéis temáticos também aos nomes, adjectivos e preposições. Franchi (1997) assume que tais relações ocorrem não só entre todos os itens lexicais, mas também entre expressões complexas.
Ao definir a noção de papel temático, Franchi (1997) baseia-se na proposta de Dowty (1989, 1991) que assume que o conteúdo semântico dos papéis temáticos provém da família de regências lexicais partilhados por argumentos da mesma posição sintáctica aberta por um verbo. Franchi (1997) amplia essa ideia para expressões predicadoras, incluindo todos os itens lexicais que participam de relações predicativas e a composicionalidade de expressões complexas. Podemos observar tal facto em (2), em que, somente através da composicionalidade entre João e martelo, pode-se estabelecer a agentividade da mesma; daí a utilização da terminologia expressões complexas.
Cançado (2005), para definir os papéis temáticos, baseia-se na ideia de composicionalidade de Franchi (1997) e, em parte, na proposta de Dowty (1989). A autora utiliza a decomposição dos papéis temáticos em propriedades semânticas a partir das regências lexicais, porém focaliza a sua proposta mais nas propriedades que compõem os papéis temáticos, vendo-as como noções discretas. Ao contrário, Dowty (1989) utiliza as regências lexicais dos verbos de uma maneira "fuzzy" de se classificar dois grandes proto-papéis temáticos . Quanto à proposta de Franchi (1997), Cançado (2005) distancia-se um pouco do autor, porque não se preocupa em estabelecer um formalismo para a predicação composicional. Assume, pois, uma maneira descritiva de tratar o conteúdo semântico dos papéis temáticos cuja definição é dada por:
(3) O papel temático de um argumento, ou seja, o papel semântico que determinado argumento exerce em uma construção, é definido como sendo o grupo de propriedades atribuídas a esse argumento a partir das regências estabelecidos por toda a proposição em que esse argumento encontra-se (Cançado, 2005).
Antes de passarmos para a exemplificação dessa definição, vamos estabelecer o que Cançado (2005) chama de argumentos. Todos os termos regidos lexicalmente pelo predicador verbal são argumentos. A autora baseia-se na tradição da semântica lógica, distanciando-se da noção mais usual da sintaxe, em que os argumentos são relacionados somente às posições de sujeito e complementos verbais. Nesse sentido, um verbo como vender, por exemplo, terá quatro argumentos cujos papéis temáticos, descritivamente, podem ser chamados de agente, tema, origem e valor.
Voltando à definição em (3), temos que o papel temático atribuído a João em (2) é o conjunto de propriedades semânticas atribuídas a ele a partir das regências atribuídas a esse argumento por toda a proposição João quebrar o vaso com um martelo. Se é verdade que João quebrou o vaso com um martelo, é, necessariamente, verdade que João:
• controla o desencadeamento do processo;
• quebrou o vaso intencionalmente;
• é animado;
• usou um instrumento para efectuar a acção, etc.
Cançado (2005) assume que o papel temático atribuído a João em (2) é o grupo de propriedades descrito acima. No entanto, pode ser problemático esse modo de atribuição de papel temático, devido ao grande número de propriedades que se pode depreender da intersecção de qualquer grupo de regências; portanto, é necessário determinar as propriedades mais relevantes, do ponto de vista gramatical. Para este trabalho, o relevante será estabelecer as propriedades que farão parte das regras de correspondência entre a Sintaxe e a Semântica. Antes, porém, de passarmos para o estabelecimento de tais propriedades, vejamos as vantagens deste sistema.
Ao se tratar das propriedades semânticas na caracterização dos papéis temáticos, utilizando-se a composicionalidade e as subcategorizações estabelecidas pela proposição, evitam-se dois problemas: a) assumir que há várias entradas lexicais, com diferentes papéis temáticos, para um mesmo item (exemplos em (4)); b) utilizar critérios para distinguir argumentos que não são inteiramente exclusivos (exemplos em (5)). Vejamos os exemplos :
(4) a. Paulo quebrou o vaso com um martelo. {Ag, Pac}
b. Paulo quebrou o vaso com o empurrão que levou. {Cau Ind, Pac}
c. Paulo quebrou a cabeça no acidente. {Ben, Pac}
d. Paulo quebrou a cabeça com aquele problema. {Exp, Obj. Est.}
Em cada construção de (4), quebrar atribui papéis diferentes e isso nos levaria à conclusão de que há quatro itens lexicais quebrar, cada um com a sua respectiva rede temática. No entanto, atribuindo-se composicionalmente aos papéis temáticos, esse problema seria evitado, pois teríamos quatro predicadores complexos distintos, compostos pelo item lexical quebrar mais os seus argumentos e adjuntos da construção em questão.
Vejamos agora a segunda vantagem do sistema. Observe as construções em (5):
(5) a. O professor correu o aluno atrevido para fora da sala.
b. A mãe casou a filha bem.
c. O pai estudou os filhos até a faculdade.
1.4. Propriedades semânticas dos verbos de trajectória
Para definir as propriedades semânticas cujo papel é relevante na ligação entre as estruturas sintáctica e semântica, Cançado (2005), num processo empírico, analisou essa correlação em construções que contêm os papéis temáticos mais investigados na literatura, chegando a quatro propriedades fundamentais para estabelecer as Regras de Correspondência: ser desencadeador de um processo, ser afectado por esse processo, ser um estativo e ter controlo sobre o desencadeamento, o processo ou o estado. A essas propriedades, dá-se o nome simplesmente de desencadeador, afectado, estativo e controlo.
Segundo a autora, as três primeiras propriedades estão relacionadas às três grandes categorias semânticas: desencadeador refere-se a acções/consequências; afectado relaciona-se a processos; e estativo é relacionado a estados. A última propriedade, o controlo, é compatível com as outras três; porém, ao contrário destas, (como se pode verificar a partir do corpus) nunca ocorre isolada e associa-se sempre à propriedade de animacidade, no PM.
1.4.1. O controlo
O controlo é uma propriedade que não ocorre separadamente; está sempre ligada à outra propriedade e denota animacidade. Se a propriedade do controlo está ligada à propriedade do desencadeador, podemos assumir que o controlo age no começo do processo, ou seja, tem-se a capacidade de desencadear o processo ou nem começá-lo; se está associado ao afectado, o controlo pode ser visto como a capacidade de interrupção do decorrer de um processo; se aparece ligado ao estativo, o controlo pode ser pensado como a capacidade de se interromper o estado em que alguém se encontra. (Exemplos desse grupo de propriedades serão vistos à frente). Veja-se que o controlo pode ser percebido em construções construídas com a expressão.... decidiu não mais...; geralmente, as construções que aceitam essa expressão acarretam controlo:
(6) a. João leu um livro.
b. João decidiu não mais ler um livro.
(7) a. João quebrou a perna.
b. *João decidiu não mais quebrar a perna.
1.4.2. O desencadeador
Desencadeador (ou Agente – para Mateus et al., 2003) é a propriedade associada ao argumento, regido pela proposição, que tem algum papel no desenrolar do processo:
(8) O João quebrou a janela.
(9) A chegada de Paulo assustou a Maria.
O desencadeador não se refere simplesmente ao papel temático de agente ou causa, ou qualquer outro; pois, por exemplo, o agente normalmente tem intenção e controlo sobre o processo. Mesmo sendo compatíveis com o desencadeador, essas propriedades não se aplicam aos exemplos (8) e (9). Vejamos um exemplo com as construções (5) retomadas aqui como (10):
(10) a. O professor correu o garoto atrevido para fora da sala.
b. A mãe casou a filha bem.
c. O pai estudou os filhos até a faculdade.
Como vimos anteriormente, o papel temático de professor/mãe/pai é o de ser desencadeador do processo e ter controlo sobre o desencadear desse processo; garoto/filha/filhos tem como papel temático ser desencadeador do processo, e também, ser afectado por esse processo. Assim sendo, nota-se que desencadeador é apenas uma propriedade que, associada a outras, forma um grupo chamado papel temático. Portanto, o desencadeador pode ser parte de uma “causa”, como os sujeitos de (8) e (9), ou parte de um “paciente”, como os complementos de (10)), ou mesmo parte de um “experienciador” (como o sujeito do exemplo (6) e do exemplo (11) abaixo):
(11) João analisou o problema.
Pelos exemplos dados, pode-se, então, concluir que não podemos comparar as propriedades propostas, como, por exemplo, a de desencadeador, com as noções comuns de papéis temáticos utilizados pela literatura.
A propriedade de desencadeador é compatível com a propriedade de controlo, ou seja, dependendo do evento descrito, o desencadeador com controlo corresponde à capacidade de se começar ou não um processo, ou seja, o controlo age no começo do processo. Por exemplo:
(12) a. João quebrou o vaso com um martelo.
b. João decidiu não mais quebrar o vaso com um martelo.
(13) a. João quebrou o vaso com o empurrão que levou.
b. * João decidiu não mais quebrar o vaso com o empurrão que levou.
Dizemos que, em (12a), João é desencadeador com controlo, porque, como podemos verificar, em (12b), ele pode decidir não começar o processo. Já, em (13a), João não pode ser chamado de desencadeador com controlo, pois não tem controlo sobre o empurrão que levou (entretanto, continua a ser o desencadeador). Portanto, (13b) é agramatical.
1.4.3. O afectado
O afectado (ou paciente – Mateus et al., 2003, bem como para Vilela, 1999) é a propriedade que é definida pela mudança de estado, isto é, quando uma proposição acarreta que um argumento tem como regência uma mudança de um estado A para um estado B, temos aí a propriedade de afectado:
(14) João matou seu colega. (O colega mudou de estado de vida.)
(15) Maria preocupa sua mãe. (A mãe mudou de estado psicológico.)
(16) Maria recebeu um prémio. (Maria teve uma mudança em suas posses.)
(17) João bateu na bola. (A bola teve uma mudança de lugar.)
Há compatibilidade entre afectado e controlo, dependendo do evento descrito. As propriedades de controlo e afectação podem ser vistas como a capacidade de se interromper o processo; não se tem controlo sobre o início do processo, mas pode-se impedir seu prosseguimento. Por exemplo:
(18) João recebeu uma herança.
João é afectado no processo de receber a herança, já que ele não a possuía e agora a tem. Porém ele pode interromper esse processo se quiser. Veja (19):
(19) João decidiu não mais receber a herança.
Já em (20), não é possível atribuir controlo a João:
(20) a. João recebeu uma bofetada.
b. *João decidiu não mais receber uma bofetada.
1.4.4. O estativo
A quarta propriedade é o estativo. Essa propriedade é associada a argumentos, regidos por uma proposição, cujas propriedades não se alteram durante um intervalo t, nesta construção. Isso significa que e t1= e t2= e t3= ... e tf.
(21) João leu um livro.
Em (21), podemos afirmar que se é verdade que João leu um livro, então é necessariamente verdade que o livro não sofreu alteração durante o processo de leitura, isto é, as propriedades permaneceram as mesmas em t1, t2 ... tf. No entanto, é possível perceber que os papéis temáticos de argumentos estativos são compatíveis com outras propriedades semânticas, exceptuando-se o desencadeador e o afectado. Essas outras propriedades não têm relevância gramatical, pois se encontram numa posição muito baixa na hierarquia das propriedades semânticas. Contudo, para se ter uma descrição mais pormenorizada da estrutura conceitual semântica, fez-se um levantamento delas:
(22) João tem uma casa. (possuidor)
(23) João adora festas. (experienciador)
(24) Maria leu o livro. (objecto)
(25) Esse livro custa 100 meticais. (valor)
(26) Essa casa apresenta uma linda arquitectura. (qualidade)
(27) João mora em Belo Horizonte. (locativo)
Em (22), o estativo João é também possuidor de um objecto casa. Portanto, ao argumento “João” pode ser atribuído o papel temático de estativo e de possuidor. Em (23), o argumento João recebe papel temático de ser um estativo e de experenciador. Em (24), livro é um argumento cujo papel temático é de estativo e de objecto. A construção em (25), mostra que 100 meticais é um argumento que recebe papel temático de estativo e de valor. Em (26), ao argumento “uma linda arquitectura” pode-se atribuir o papel temático de ser um estativo e de qualidade. Na construção em (27), Belo Horizonte recebe papel temático de estativo e de locativo.
Então, a definição de papéis temáticos como sendo um grupo de propriedades leva-nos a admitir que todos os papéis temáticos, citados nos exemplos acima (22 - 27), têm em comum a propriedade de ser estativo, dentre outras mais específicas. Essa propriedade é a mais importante para se estabelecer as Regras de Correspondência. Sendo que, dependendo do evento descrito, há predicadores estativos que são compatíveis com controlo e a proposição a que esses predicadores pertencem transporta controlo para o papel temático estativo. Isso significa que há alguns casos em que se é possível interromper o estado atribuído a algum argumento, mesmo não havendo controlo sobre o início ou o desenrolar desse estado. Observe-se as construções abaixo:
(28) a. João ama/odeia Maria.
b. João decidiu não mais amar/odiar Maria.
(29) a. João mora em Belo Horizonte.
b. João decidiu não mais morar em Belo Horizonte.
1.5. A ligação entre a estrutura sintáctica e a semântica
De acordo com Menezes (2005), há muito tempo existe, dentro das teorias linguísticas, uma intuição que a relação entre a sintaxe e os papéis temáticos é altamente restringida por princípios universais. Um desses princípios é o chamado Princípio da Hierarquia Temática que estabelece qual papel temático vai para qual posição sintáctica. Um dos motivos mais importantes para se estabelecer uma hierarquia temática é poder expressar as generalizações sobre a ordem dos argumentos em um predicado: os argumentos mais baixos na hierarquia são compostos semanticamente antes com o predicado do que os argumentos correspondentes a papéis mais altos. É a partir deste pressuposto que Cançado (2005) assume as seguintes ideias para estabelecer uma hierarquia temática, que denomina Regras de Correspondência:
• As regras são estabelecidas a partir da correlação entre as propriedades semânticas e as posições dos argumentos externo e interno;
• As regras são construídas pelas propriedades semânticas que compõem os papéis temáticos;
• Mesmo que o objectivo das regras de correspondência seja a organização dos argumentos, a atribuição de papel temático às posições argumentais deve levar em conta toda a proposição, inclusive adjuntos.
Conforme Cançado (2005), a vantagem do sistema por ela proposto é que não são os papéis temáticos que fazem parte da hierarquia, mas as propriedades semânticas que compõem esse papel. As hierarquias propostas apresentam um grande problema, porque a ordem apresentada não é única, apesar de ser aceite universalmente:
(30) Agente>Locativo/Origem/Destino>Tema (Jackendoff, 1972) ;
(31) Agente>Desencadeador>Estativo>Tema>Paciente (Foley e Van Valin, 1984) ;
(32)Agente>Beneficiário>Experenciador>Instrumento>Tema/Paciente>Estativo (Bresnan e Kenerva, 1989) .
Portanto, estabelecer a ordem dos argumentos a partir das propriedades que compõem os papéis temáticos é muito mais simples, porque elas são em menor número e apresentam definições mais intuitivas e menos divergentes na literatura. Segundo Cançado (2005), a proposta apresentada estabelece regras de correspondência que funcionam de modo mais abrangente.
Antes de estabelecer as regras, a autora esclarece como se dá a passagem do evento para a estrutura linguística. Tal passagem não ocorre de maneira biunívoca (os eventos são estruturas pluridimensionais e as expressões linguísticas são estruturas lineares) e depende do ponto de vista do falante para tratar dos eventos do mundo. Os falantes devem escolher a forma de iniciar uma sequência que representará o facto ocorrido, o ponto de vista e os itens lexicais que serão empregados. O léxico é como um filtro para as estruturas sintácticas e o papel temático depende da disponibilidade lexical.
Se a escolha do falante for numa perspectiva agentiva, teremos:
(34) João quebrou o vaso com um martelo.
Numa perspectiva ergativa:
(35) O vaso quebrou-se.
O léxico, a morfologia e a sintaxe restringem a escolha do falante. Se a intenção de representar o evento mostrado em (35) fosse focalizar o acto de quebrar, a morfologia do português certamente não aceitaria a seguinte construção:
(35) *A quebração/ o quebramento do vaso por João.
Para focalizar o acto de quebrar, o falante tem de procurar alternativas e, como exemplo, Cançado (2005) utiliza a estrutura clivada:
(36) Quebrar o vaso, foi o que João fez.
Então, para expressar os eventos, é necessário que se respeite as restrições lexicais, morfológicas e sintácticas que filtram as diversas possibilidades de se estruturar a passagem do evento para a expressão linguística. Essa estruturação é a base da noção linguística de papel temático que é projectado na Sintaxe pelas Regras de Correspondência que determina a ordem dos argumentos numa construção sintáctica/ frásica.
A definição de Dowty (1989) não pode ser seguida totalmente, pois as propriedades deveriam ser representadas no léxico somente pelas regências dos itens lexicais. Porém, isso não é possível, porque as propriedades de alguns papéis temáticos são motivadas pela composição desses itens na proposição. Veja-se o exemplo:
(37) Maria matou a galinha com uma faca afiada.
O controlo é atribuído a Maria através da composição de “Maria matou a galinha com uma faca afiada”, porque “matar”, separadamente, não apresenta controlo para o seu desencadeador, como em (38):
(38) A doença matou a galinha.
O resultado é um léxico menos restrito em que as regências lexicais do predicador estão marcadas juntamente com as propriedades compatíveis com ele.
Observem-se os exemplos abaixo:
(39) MATAR: V, {desencadeador (controlo), afectado}
(40) RECEBER: V, {afectado (controlo), estativo, estativo}
(41) AMAR: V, {estativo (controlo), estativo}
Segundo a definição de Dowty (1989), regência lexical de um predicado é as coisas que podemos concluir sobre esse predicado somente por saber que a construção x predicador y é verdadeira. Dito isso, diz-se que o predicador “matar” acarreta, necessariamente, um desencadeador e um afectado no processo de matar e, além disso, o léxico traz também a possibilidade de controlo em relação ao desencadeador. Essa análise aplica-se aos outros exemplos acima. Então, nessas informações é que serão aplicadas as Regras de Correspondência.
1.6. As regras de correspondência entre a Sintaxe e a Semântica
Apesar de as Regras de Correspondência entre a sintaxe e a semântica propostas por Cançado (2005) terem surgido de uma análise empírica extensa, estas serão ilustradas apenas com alguns exemplos; contudo, foram colhidos mais de 1000 verbos para todas as classes .
1.7. A Regra A
As construções com verbos de acção/processo e actividade exemplificam a Regra A, pois tais verbos conduzem a um dos seus argumentos ser desencadeador do processo e são compatíveis com controlo. Quando o argumento acumula as propriedades de desencadeador e controlo, ele localiza-se na posição de argumento externo:
(42) A madrinha sempre viajava a afilhada. [desencadeador/controlo> desencadeador/afectado]
(43) Paulo assassinou/ajudou Maria. [desencadeador/controlo > afectado]
Segundo Cançado (2005), o exemplo, em (43), a dupla causação, seria problemática para grande parte das hierarquias existentes por não preverem este tipo de ocorrência, que aparecem nos dados do PM de forma relevante (pelo menos 30 ocorrências foram catalogadas).
Na ausência do desencadeador/controlo, a segunda posição mais proeminente é para o argumento que tem a propriedade de desencadeador:
(44) As provas não vão mais preocupar Maria; (ela decidiu-se). [desencadeador > afectado/controlo]
(45) O vento partiu a janela. [desencadeador > afectado]
A terceira posição proeminente é do argumento que tem como regência o afectado com controlo, é claro que na ausência de desencadeador com controlo e de desencadeador:
(46) Miguel cortou seu cabelo (no barbeiro). [afectado/controlo, afectado]
A Cançado (2005) chama a atenção para o facto de (46) trazer problemas para uma hierarquia cuja ocorrência simultânea de beneficiário e paciente não é prevista. Jackendoff (1990) propõe uma hierarquia que também aceita uma certa composição de propriedades (o paciente menos afectado ou o beneficiário mais afectado ocupa a posição de objecto). Mas como ordenar argumentos que têm o mesmo papel numa proposição?
O afectado ocupa a quarta posição proeminente, na falta dos citados anteriormente (desencadeador/controlo, desencadeador, afetado/controlo):
(47) João tornou-se um líder, por acaso. {afectado > estativo}
A última posição proeminente é o estativo/controlo quando as demais propriedades não compõem o argumento:
(48) João não vai mais amar/temer/admirar Maria. {estativo/controlo > estativo}
Há construções em que aparecem apenas estados, sem controlo:
(49) João tem uma casa. {estativo > estativo}
O exemplo, em (49), e outros apresentados em Cançado (2005) não violam, segundo a autora, o Critério-θ, pois, de acordo com a proposta apresentada, o papel temático é um grupo de propriedades, o que não impede que dois papéis temáticos tenham uma ou mais propriedades em comum. Moreira (2000) apresenta uma pormenorização das construções estativas.
1.7.1. A posição dos argumentos externo e interno
A Regra A prevê as posições sintácticas dos argumentos externo e interno. O argumento externo será aquele cujo argumento da proposição possuir a propriedade mais proeminente da frase; o argumento interno será aquele que tiver a segunda propriedade mais proeminente da frase.
1.7.2. A posição do sujeito e do argumento interno
Como vimos, a Regra A organiza apenas as posições de sujeito e de um argumento interno. Assim sendo, se houver mais de um argumento interno, estes serão projectados na Sintaxe em posição de adjunção, marcados com uma preposição, e já estarão fora do alcance das Regras de Correspondência, com excepção dos casos em que a preposição for inerente (preposição idiomática).
1.7.3. A alternância sintáctica em construções passivas
Algumas construções permitem a violação da hierarquia: alternância sintáctica do tipo de passivização, construções ergativas, e outras. Nesses casos, o argumento que viola a ordem hierárquica aparece na estrutura sintáctica como adjunto, isto é, numa posição de adjunção, marcado com uma preposição.
1.8. A Regra B
A Regra B trata dos outros argumentos que não ocupam a posição de complemento, segundo a hierarquia proposta pelo diagrama E, mas são argumentos regidos pelo verbo. Esses argumentos serão marcados com uma preposição funcional e projectados na sintaxe como adjunções. A Cançado (2005) assume, como Baker (2001), que qualquer argumento preposicionado aparece em posição de adjunção por possuir a mesma estrutura sintáctica e as mesmas propriedades sintácticas de um adjunto canónico.
Tomemos a representação do item lexical “vender” para exemplificar a Regra B:
(50) VENDER: V, {desencadeador/controlo, afectado, valor, destinação}
O item lexical “vender” atribui a propriedade de desencadeador com controlo, um objecto afectado, um valor e uma destinação. As Regras de Correspondência estabelecem que o desencadeador com controlo é proeminente em relação ao afectado que, por sua vez, é proeminente em relação ao estativo, que inclui valor e destinação. Logo, o argumento externo será preenchido pelo argumento que possui as propriedades de desencadeador com controlo; a posição de argumento interno será ocupada pelo argumento relacionado à afectação; as outras propriedades, marcadas pela preposição, serão projectadas na sintaxe como adjunções. Seguindo essa regra, temos o exemplo em (51):
(51) João vendeu uma casa para Maria por 100,000.00Mts.
Conforme as Regras de Correspondência, as posições argumentais são organizadas pela Regra A; os demais argumentos, preposicionados e que aparecem na estrutura sintáctica como adjuntos, fazem parte da Regra B. Contudo, há casos em que a preposição é vista como parte inerente do verbo (selecção de preposições idiomáticas , de acordo com Neeleman (1994)). Veja-se que tais preposições não aceitam troca:
(52) O João concorda com *de/em/para Maria.
Diferentemente de preposições que introduzem elementos em adjunção, que podem ser alteradas, respeitando-se as compatibilidades lexicais. Veja-se os exemplos em (53):
(53) a. João leu o livro com/sem/sobre os óculos.
b. João comprou a casa de/para/com Maria.
c. João falou com/sobre/contra Maria.
Nos casos de preposições inerentes, assume-se que esses predicados preposicionados são complementos e estarão sujeitos às regras de correspondência. A proposta da autora é que as preposições componham o léxico juntamente com o item lexical:
(54) CONCORDAR COM: V, {estativo/controlo, estativo}
1.9. A Regra C
A Regra C prevê que há casos em que é possível a violação na ordem da hierarquia. Trata-se de casos em que a estrutura sintáctica sofre algum tipo de alternância (passivização, ergativização, e outras). Nesses casos, o elemento responsável pela mudança aparecerá marcado por preposição e em posição de adjunção. Tomemos como exemplo o predicador ‘preocupar’:
(55) PREOCUPAR: V, {desencadeador, afectado (controlo)}
A ordem prevista pela hierarquia é que apareça na posição de argumento externo o item que apresenta a propriedade de desencadeador e na posição de argumento interno o elemento afectado com controlo. Sendo assim, temos:
(56) A guerra preocupa Maria. {desencadeador > afectado/controlo}
Na construção ergativa, o afectado passa à posição de argumento externo e, se quisermos manter o desencadeador no nível sintáctico, ele deve ser marcado com preposição e realizado na posição de adjunção:
(57) Maria preocupa (se) com a guerra.
Segundo Cançado (2005), as regras descritas acima podem ser aplicadas em boa parte nas ocorrências da língua, pelo menos para o português em Moçambique. Entretanto, ainda faltam ser tratados os casos dos verbos de movimento que incluem trajectória introduzida por preposição, pois essas ocorrências não se encaixam em nenhuma das regras explicitadas acima:
(58) a. João foi para São Paulo.
b. João veio de Paris.
Em (58), temos dois argumentos, sendo um preposicionado. Neste caso, não se trata de preposição inerente, pois as preposições podem ser apagadas ou mudadas (Regra B).
Nem são os casos das preposições funcionais, pois não se trata de alternância verbal (Regra C) e nem da presença de um terceiro argumento (Regra B). Como já explicitado na introdução deste trabalho, esses casos não são tratados por Cançado (2005) e serão aqui investigados.
Tendo descrito a base teórica para esta pesquisa, passaremos, a seguir, para o Capítulo 3, em que fazemos a descrição e a análise do corpus, composto por verbos de movimento que acarretam trajectória.
1.10. Classificação das preposições
O presente trabalho aborda questões relativas aos ambientes linguísticos em que aparecem preposições e as suas respectivas classificações, observados a partir de Cançado (2005). De acordo com as Regras de Correspondência, propostas pela autora, há três tipos de preposições: as predicadoras, as funcionais e as inerentes.
a) Predicadoras, que são aquelas que possuem argumentos que não participam da estrutura lógica do verbo e atribuem papel temático, apresentando funções semântica e sintáctica;
b) Funcionais, que são aquelas que introduzem argumentos que fazem parte da estrutura lógica dos verbos;
c) Marcadoras de alternância, que introduzem argumentos cuja posição canónica foi alterada;
d) Inerentes, que são aquelas que parecem fazer parte do item lexical.
Porém, existem predicadores verbais que apresentam o segundo argumento introduzido por preposição, e esta não tem as mesmas características das preposições marcadoras de alternância, nem das inerentes.
Nenhuma delas tem semelhança com as preposições que acompanham os verbos de movimento e/ou trajectória, pois tais preposições não estão apostas ao verbo (como as inerentes), não atribuem papel temático isoladamente e não marcam alternância de diátese. As preposições que introduzem a trajectória acompanham argumentos regidos pelo predicador verbal e este, até onde vimos, pertence à classe dos verbos de movimento.
Portanto, fizemos uma descrição mais apurada desta classe de verbos, para procedermos à verificação da categoria dessas preposições e, também, propormos uma mudança nas regras B e C da Hierarquia Temática apresentada em Cançado (2005), já que tais regras não prevêem este tipo de preposição.
2. Metodologia do trabalho
Para estudarmos os problemas constatados, adoptámos uma estratégia de pesquisa: como as ocorrências aqui apontadas parecem ser comuns em verbos que apresentam trajectória e deslocamento, investigamos mais detalhadamente esta classe de verbos, mesmo os que não apresentam argumentos preposicionados. Esta classe é mais conhecida, na literatura, por verbos de movimento, e, então, analisámos o seu comportamento sintáctico-semântico, em função dos problemas apresentados.
2.1. Técnicas e instrumentos de recolha de dados
Para o estudo dos casos acima apresentados e para a materialização dos objectivos traçados, adoptámos questionários dirigidos aos estudantes da turma, na qual fizemos a nossa pesquisa (recolha de dados).
Por meio do questionário, pretendemos ver até que ponto os alunos são capazes de fazer um correcto uso ou não da Gramática e quais as causas que estão na génese de tais dificuldades, isto é, aplicámos dois exercícios, nomeadamente o preenchimento em dezassete (17) frases, com preposições dadas, de espaços em branco e a construção de frases, usando os verbos de trajectória, também, preestabelecidos juntamente com as preposições usadas no exercício anterior para o preenchimento dos espaços em branco.
O primeiro passo consistiu na selecção do leque de quinze (15) preposições apresentadas no exercício, as que se adequassem a cada caso, tendo em conta a natureza as propriedades de predicação (regência) dos verbos e do tipo de preposições.
Este exercício tinha por objectivo verificar até que ponto os nossos inquiridos eram capazes de seleccionar e usar as preposições em função do seu tipo e características sintáctico-semânticas.
O segundo exercício consistiu na construção de frases a partir de noventa e quatro (94) verbos de trajectória preestabelecidos, ou seja, associar os verbos com as preposições do exercício anterior, mas sem perder de vista as propriedades destas duas classes, por um lado os verbos que seleccionam determinado tipo de preposição, consoante a sua natureza e estas, por sua vez, seleccionam e derminam a função semântica de outros elementos frásicos (os SN’s). Foi por este motivo que usámos, nesta parte do trabalho, frases com uma linguagem menos formal, pois quisemos com isto não influenciar os nossos inquiridos, sob pena de termos, em todos, os mesmos resultados o que poria em causa o nosso estudo e a consequente imaterialização dos nossos intentos.
Importa referir, ainda, que este último exercício foi o mais produtivo para a monografia, pois foi a partir deste que obtivemos todas as frases que são apresentadas, descritas e discutidas ao longo do trabalho, as quais nos permitiram tirar algumas conclusões sobre o a selecção e emprego das preposições com os verbos de movimento que apresentam, quer explicita quer não, a trajectória, uma vez que cada um dos inquiridos teve de construir, pelo menos, uma frase, empregando os verbos apresentados.
Assim, para mais detalhes sobre os instrumentos usados, vide anexos, no fim deste trabalho.
2.2. Procedimentos utilizados na classificação dos verbos
Num primeiro momento da pesquisa, fez-se um levantamento amplo de todos os tipos de verbos de movimento, resultando em mais de trezentos verbos colectados.
Após uma análise minuciosa dos dados, filtrámos somente aqueles que apresentavam trajectória explícita ou implícita sintacticamente, chegando a um corpus final de duzentos e dois verbos. O corpus foi formado a partir de consulta a dicionários de língua portuguesa, conversa com falantes, num contexto menos formal e dados de intuição. A pesquisa em dicionários privilegiou os verbos mais prototípicos e, muitas vezes, houve uma certa adequação à linguagem menos formal (pois esta mostrou-se mais rica, no que tange aos problemas anteriormente apresentados).
Depois do levantamento dos dados, foi feita uma distribuição dos mesmos em cinco (5) classes distintas. Cada classe foi constituída de predicadores cujas propriedades apresentadas eram bastante semelhantes do ponto de vista sintáctico e semântico. Em cada construção do conjunto de dados, foi levantada, primeiramente, a rede temática apresentada pelo predicador específico. Para corroborar o facto de que a rede temática apresentada realmente era específica àquela classe, foram aplicadas várias outras propriedades, sintácticas e semânticas, tentando evidenciar a natureza argumental dos papéis temáticos do predicador analisado. Como propriedades sintácticas, usámos o deslocamento e apagamento de argumentos; como propriedades semânticas, usámos substituições de itens lexicais de campos semânticos diferentes e foi feita a análise do aspecto (aksionsart) das construções. As conclusões e análises finais deram-se a partir dos comportamentos apresentados pelos verbos de cada classe descrita.
Importa, portanto, referir que todos os verbos que são classificados pela literatura como verbos de movimento possuem implícita ou explicitamente uma trajectória, ou parte dela. As frases utilizadas nas análises foram retiradas de dicionários e, também, formuladas intuitivamente com o endosso de falantes da língua portuguesa, particularmente o nosso grupo alvo (os estudantes do 2º. ano do curso de Psicologia Escolar da Universidade Pedagógica).
2.3. Tipo de pesquisa
Adoptámos para este trabalho a pesquisa qualitativa, pois esta permitiu que trabalhássemos com dados estatísticos. Ainda na mesma, usámos o método experimental, uma vez que teremos pelo menos uma variável independente que poderemos manipular, esperando, assim, termos uma ideia geral do nosso objecto de estudo e alcance dos nossos objectivos.
Importa salientar que, na nossa pesquisa, usámos a observação molecular, que corresponde a um carácter mais específico nomeadamente os gestos, manipulações dos sujeitos (Pieron, 1973 apud Estrela, 1896), já que está virado apenas para os aspectos que dizem respeito aos verbos de movimento e às preposições a estes associadas, pois trata-se de uma observação incidente em factos e ou em representações para as características da situação, para os comportamentos e as interacções, visando recolher opiniões e modos de perceber os fenómenos e comportamentos linguísticos das preposições.
Assim, a observação molecular desempenhou um papel crucial no método experimental (que adoptámos para o presente trabalho), facilitando a análise dos vários factores e a sua correlação.
2.4. Método de abordagem
Neste trabalho servimo-nos do método indutivo. A preferência por este método para a presente pesquisa prende-se pelo facto de pretendermos, a partir da observância de um determinado número de casos particulares, chegar a uma generalização do que aqui aspiramos demonstrar.
Este é para nós o melhor caminho para que o nosso trabalho tenha um resultado que esteja a par das nossas pretensões.
2.5. Delimitação do universo
A nossa pesquisa foi realizada na Universidade Pedagógica, na turma do 2º Ano do Curso de Psicologia Escolar do ano lectivo de 2010, convenientemente seleccionada, tendo em conta a natureza do trabalho e dos objectivos preconizados, bem como porque foi com este estudantes (no ano de 2009, quando ainda estavam no 1º ano) com quem trabalhámos na cadeira de Técnicas de Expressão de Língua Portuguesa, no âmbito das PP’s IV. Não obstante estarmos a cumprir com uma das orientações dadas pelos supervisores, segundo a qual, neste período, devíamos identificar um problema pedagógico, que nos permitisse, a posterior, realizar uma pesquisa, tendendo a sua explicação e consequente apresentação de propostas para solucioná-lo.
Os inquiridos seleccionados são estudantes, em número de 20, sendo 10 homens e 10 mulheres (alguns dos quais já professores em exercício, embora, na sua maior sejam do ensino básico e não leccionem a Língua Portuguesa), que os achámos fiéis nas suas respostas, e não omitiram certos dados por os acharem indignos para a sua carreira estudantil, os quais, ao seu entender, poriam em causa a própria instituição de ensino.
O teste foi realizado num dia, num período de duas (2) horas, isto é das dez horas e trinta minutos as doze e trinta, altura na qual os estudantes não tinham aulas (uma vez que, de acordo com o horário, terminavam as aulas as dez horas e vinte e cinco minutos) e eram conhecidos pelos estudantes os objectivos subjacentes à realização deste estudo.
3. Apresentação, análise e interpretação de dados
Neste capítulo, fazemos uma descrição e análise dos dados, aplicando os pressupostos teóricos adoptados e descritos no capítulo anterior. Primeiramente, tratamos do corpus, relacionando as formas de recolha dos dados e a divisão dos mesmos em classes distintas. Retomamos alguns conceitos que foram utilizados ao longo da descrição e exemplificamos alguns testes que serviram de suporte para algumas generalizações. Em seguida, fazemos a análise de cada classe, em particular.
Vejamos, pois, primeiramente quais foram os critérios para se estabelecer a rede temática das classes que serão apresentadas mais à frente.
3.1. A rede temática
Segundo Cançado (2005), a rede temática de cada verbo é estabelecida a partir das propriedades semânticas que compõem os papéis temáticos atribuídos aos argumentos desse verbo.
Assim, os argumentos de um predicador verbal são todos os termos regidos lexicalmente por ele. Ou seja, um predicador verbal pode ter três ou mais argumentos, dependendo do seu sentido. Essa proposta diferencia-se do que se chama, geralmente, de argumentos na literatura em Sintaxe. Nessa perspectiva, argumentos são somente o sujeito e os complementos de um verbo (o que seria, no máximo, dois complementos). Para aplicarmos a noção de regência, adoptamos a definição de Dowty (1989), segundo a qual a regência lexical é tudo o que podemos concluir a respeito de um predicador somente por saber que x predicador y é verdade. Para exemplificar esse facto, tomemos como exemplo o item lexical colocar, na construção expressa em (59):
(59) O professor colocou o livro na estante.
Temos, em (59), que o verbo “colocar” acarreta um desencadeador com controlo: “o professor”; um afectado deslocado: “o livro”; e um locativo afectado: “na estante”. Se é verdade que o professor colocou o livro na estante, é verdadeiro afirmar que o acto de “colocar” foi desencadeado pelo argumento “o professor”; a afirmação de que o argumento “o livro” sofreu um deslocamento no espaço é verdadeiro; e que, finalmente, afirmar que o argumento “na estante” foi o ponto de chegada (ou alvo/ou destino) que é afectado pelo movimento é verdade. Ainda, segundo Cançado (2005), os argumentos não são necessariamente explicitados na representação sintáctica. Para exemplificar esse facto, veja-se as construções em (60):
(60) a. O Pedro veio de São Paulo para Belo Horizonte.
b. O Pedro veio de São Paulo.
c. O Pedro veio para Belo Horizonte.
d. O Pedro veio.
Em (60a), a construção tem explícitos todos os argumentos do predicador “virem”, que acarreta um desencadeador deslocado, “o Pedro”; e a trajectória representada pela origem, “de São Paulo”, e o destino, “Belo Horizonte”. O mesmo não ocorre nas construções em (60b-d), nas quais há argumentos que não foram expressos sintacticamente. Em (60b), não aparece expresso o destino do movimento; em (60c), foi omissa a origem do movimento; em (60d), a origem e o destino foram apagados. A construção, em (60d), apesar de sintacticamente correcta e bastante produtiva na língua, é uma construção que necessita de um contexto mais amplo para não ter o seu entendimento comprometido. Portanto, será essa a noção de argumento que será utilizada para estabelecer a rede temática de cada verbo.
A cada argumento será associado um papel temático, composto por uma ou mais propriedades semânticas mais gerais.
3.1.2. Evidências da natureza argumental das redes temáticas apresentadas
Como a divisão das classes se deu a partir da rede temática apresentada pelos verbos, fez-se necessário a comprovação de que os papéis temáticos apresentados em cada classe tivessem realmente um status de argumento do predicador analisado. Para isso, usámos vários testes, sintácticos e semânticos, o que também evidenciou mais a organização das classes da maneira proposta pelo trabalho.
3.1.2.1. As propriedades sintácticas dos verbos de trajectória do PM
Os procedimentos sintácticos explorados neste trabalho são as propriedades de apagamento e deslocamento de argumentos. Os testes utilizados nesta pesquisa, alguns também muito utilizados na literatura, não são, evidentemente, infalíveis; porém, proporcionam-nos uma visão do comportamento desses dados, permitindo-nos assumir uma generalização confiável em nossas análises.
O primeiro teste, o de apagamento de argumentos, consiste em se omitir um ou mais argumentos de uma construção e relacionar essas ocorrências à gramaticalidade e à aceitabilidade das construções. Esse teste tem como objectivo evidenciar a natureza de argumento dos termos em questão, assumindo-os ou não como participantes da rede temática daquele verbo específico. Vejam-se os exemplos em (61):
(61) a. O professor colocou o livro na estante.
b. * O professor colocou o livro.
Em (61a), temos o verbo “colocar” que exige um desencadeador com controlo, “o professor”; um afectado e deslocado, “o livro”; e um locativo e afectado, “na estante”. Do ponto de vista semântico e sintáctico, a construção, em (61a), é correcta. Já a construção, em (61b), não é aceite nem semântica nem sintacticamente. Segundo a literatura, parece-nos mais apropriada a aceitação de que o argumento apagado, que tem uma relação de sentido mais periférica na construção, é o que se pode chamar de adjunto. Já, o termo que não aparece na representação sintáctica, deixando anómala a construção, é um argumento que tem uma relação de sentido mais nuclear com o verbo. Queremos deixar claro que este teste não é infalível e gera muita controvérsia. Entretanto, decidimos mantê-lo porque há classes em que o apagamento possibilita a classificação do termo omitido como um argumento.
Um segundo teste, também conhecido na literatura e que tem o mesmo objectivo do primeiro, ou seja, mostrar que o item lexical deslocado é argumento do verbo, é o teste de deslocamento de termos na construção. Aplica-se o teste de deslocamento, movendo um termo para o início da construção. Parece-nos que um termo não regido pelo verbo, ou seja, o adjunto, pode ocupar essa posição mais livremente que um termo regido pelo verbo, ou seja, o argumento desse verbo. Observe as construções em (62):
(62) a. Os meninos subiram na árvore.
b. ?? Na árvore, os meninos subiram.
c. As mulheres predominam em Belo Horizonte.
d. Em Belo Horizonte, as mulheres predominam.
A construção, em (62b), é menos aceite do que a construção, em (62d). Para que haja uma boa aceitação da construção, em (62b), é necessária, no mínimo, uma entoação diferente.
Como qualquer outro teste, esse também não é infalível; contudo, a maioria dos falantes prefere o deslocamento do locativo em (62d) ao deslocamento do locativo em (62b). Como em todas as classes dos verbos aqui tratados aparecem argumentos locativos, faz-se necessário uma melhor explicação para a distinção entre os locativos apresentados em (62b) e (62d).
Partamos da observação de Franchi (1995:90) apud Cançado (2005):
“a expressão de lugar e tempo é irrestrita em qualquer oração, descreva ela acções, processo, estados ou evento que seja, ou a expressão de modo (como com capricho que foi utilizada em vários exemplos) é irrestrita em quaisquer orações que expressam uma acção, pelo que geralmente não faz sentido incluir etiquetas funcionais que expressem lugar, tempo, modo e outras similares, na diátese dos verbos. Entretanto, há casos em que papéis temáticos de tempo ou lugar devem ser inscritos como propriedades inerentes de verbos; é o caso de durar e começar. Essa questão depende de como se entende o conteúdo semântico desses papéis”.
Concordando com a ideia exposta acima, parece-nos que é possível afirmar que existem dois tipos de locativos: um seria derivado do evento no mundo e o outro seria regido pelo predicador. Chamaremos o primeiro caso de locativo do evento e o segundo de locativo do predicador. O locativo do evento seria o lugar em que a acção ocorre, pois qualquer acção ou acontecimento ocupa obrigatoriamente um espaço no mundo. Observem-se as construções em (63):
(63) a. João cantou em Belo Horizonte.
b. João cantou num clube.
c. João cantou em cima da mesa.
d. João cantou em cima da mesa num clube em Belo Horizonte.
Em todas as construções em (63), há um locativo do evento, já que o item lexical “cantar” não acarreta necessariamente um argumento que indique o local. O que permite que se coloque um locativo é o acto de cantar, ou seja, quem canta pratica tal acção, necessariamente, em algum lugar. Tanto que esse locativo pode ser mais ou menos amplo; podemos comprovar isso com a gradação visível em (63a-d), em que o locativo de (63a) é mais amplo do que o de (63b), que é mais amplo do que o de (63c), e em (63d) os locativos expressos em (63a-c) co-ocorrem. Parece que, quanto mais amplo for o locativo, mais se nota a preferência de colocá-lo num ponto mais abaixo do locativo mais específico; apesar de que não seria tão mal dizer que “João cantou em Belo Horizonte em cima da mesa”. Mas, de qualquer forma, “cantar” não selecciona nenhum locativo como parte intrínseca de seu sentido, como podemos ver nas construções em (64):
(64) a. João cantou a noite toda.
b. João cantou muito bem.
c. João cantou.
Em (64a-c), pode-se confirmar que as construções são aceitáveis e não há nenhum locativo. É óbvio que o evento só pode ter ocorrido em algum lugar, pois é impossível imaginar que algo aconteça no mundo sem que haja um espaço físico destinado a tal facto. Portanto, conclui-se que em Belo Horizonte, “num clube” e “em cima da mesa” são locativos do evento.
O segundo caso é locativo do predicador que é um argumento regido pelo verbo, ou seja, faz parte do sentido lexical do verbo. Veja, em (65), que o locativo do predicador é um argumento que tem um sentido mais específico e relacionado com o seu predicador e com os outros argumentos desse predicador:
(65) a. Maria imergiu o saquinho de chá na chávena.
b. Pedro sentou o filho na cadeira.
c. Maria recolheu a roupa do varal.
Entretanto, provar esta divisão não é uma questão simples. Muito se tem falado na literatura linguística, e iremos propor algumas características que tentam evidenciar essa divisão. Um primeiro ponto, já conhecido e nem sempre infalível, é sobre a questão do apagamento de argumentos, descrito acima. O primeiro tipo de locativo, o locativo do evento, é mais geral e passível de apagamento sem perda de sentido. O segundo, o locativo do predicador, é mais específico e o seu apagamento, em geral, traz problemas ao entendimento. Comprove-se nas construções, em (66):
(66) a. Maria cantou em Belo Horizonte.
b. Maria cantou.
A construção, em (66a), apresenta um locativo mais geral que estamos a chamar de locativo do evento, ou seja, trata-se do lugar onde ocorreu o facto de Maria cantar. A construção, em (83b), é amplamente aceite. O facto de se omitir o locativo “em Belo Horizonte” não traz problemas em relação à compreensão da construção, em (66b).
O apagamento do segundo tipo de locativo, o que chamamos de locativo do predicador, provoca danos ao sentido da frase. Retomemos a construção, em (65a), aqui, como (67a) e observemos o apagamento do seu locativo em (67b):
(67) a. Maria imergiu o saquinho de chá na chávena.
b. ? Maria imergiu o saquinho de chá.
Não nos parece muito gramatical a construção, em (67b). Esta frase só seria aceitável se fizesse parte de um contexto mais específico. Portanto, isso seria um indício de que o locativo em (67a) é realmente um argumento do verbo e o seu apagamento na estrutura sintáctica torna a construção pouco aceitável.
Ao aplicarmos o teste do deslocamento dos argumentos, também vimos que o locativo do evento é mais livre, ou melhor, o seu deslocamento não prejudica o entendimento da construção. Comprove-se em (68):
(68) a. João leu um livro na biblioteca.
b. Na biblioteca, João leu um livro.
O mesmo não ocorre com o locativo do predicador, que é mais preso ao verbo. Observe-se esse facto em (69):
(69) a. O professor expulsou os alunos da sala.
b. ?? Da sala, o professor expulsou os alunos.
A aceitabilidade da construção expressa em (69b) é bem menor que a construção em (68b). Para que (69b) seja aceite sem restrições, é necessário que se aplique uma entoação diferente da que se usaria, por exemplo, na produção de (68b). Ainda, com uma entoação diferenciada, a construção em (69b) apresenta uma ambiguidade, porque o desencadeador, “o professor” pode ter expulsado os alunos que estavam na sala, ou o professor é que estava na sala e, de lá, expulsou os alunos que estavam no pátio, por exemplo.
3.1.2.2. As propriedades semânticas dos verbos analisados
Ainda nos valemos de mais duas propriedades semânticas para comprovarmos a classificação dos verbos analisados: a substituição de termos relacionados a campos semânticos distintos e a análise do aspecto das construções (ou aksionsart, como também é conhecido esse tipo de análise semântica).
Um dos testes para estabelecer a diferença entre locativo do evento e locativo do predicador surgiu das nossas observações. Percebemos que uma das características que pode estabelecer a diferença entre o locativo do predicador e o locativo do evento é que o argumento locativo, regido pelo verbo, tem que pertencer ao mesmo campo semântico do verbo e de seu argumento interno; diferentemente do comportamento do locativo do evento. Quando usamos a expressão campo semântico, não pretendemos aprofundar as várias teorias que abordam este tema de uma maneira mais detalhada (cf. Crystal, 1988).
Para demonstrar essa selecção de termos que têm certa compatibilidade semântica, foram aplicados testes de substituição do argumento locativo em vários dados recolhidos e o resultado foi que a frase é menos aceitável quando o campo semântico do argumento locativo não fizer parte do campo semântico do verbo e do sintagma nominal que está na posição de argumento interno. Voltemos ao exemplo expresso em (65a), retomado, aqui, nas frases em (70):
(70) a. Maria imergiu o saquinho de chá na chávena.
b. ?? Maria imergiu o saquinho de chá na piscina.
c. ?? Maria imergiu o sapato na chávena.
d. ?? Maria imergiu o saquinho de chá em Belo Horizonte.
Todas as construções em (70) são gramaticais; porém, a aceitabilidade semântica das frases em (70b-d) é mais restrita. Na construção, (70b), o locativo “na piscina” torna a frase pouco aceitável, porque só podemos imaginar o evento como um acidente ou acontecimento parecido. Mesmo que “na piscina” possa-se imergir alguma coisa, o campo semântico de “saquinho de chá” restringe tal colocação, visto que não se bebe chá diluído na água da piscina. Em (87c), o campo semântico de “o sapato” difere do de “chávena”, ainda que se possa imergir um sapato na piscina, por exemplo. Entender a construção, em (70c), só é possível se partimos do pressuposto de que Maria esteja brincando ou fora de seu juízo perfeito. Em (70d), a expressão “em Belo Horizonte” é um locativo que não pertence ao campo semântico de “imergiu” nem de “saquinho de chá”, pois, para se imergir algo, é necessário que se tenha um recipiente contendo líquido; e “saquinho de chá” selecciona preferencialmente “chávena” ou objecto semelhante. Por conseguinte, (70d) pode ser considerada anómala do ponto de vista semântico. Parece-nos que a anomalia da frase se deve ao facto de que “em Belo Horizonte” não é um argumento pertencente ao campo semântico de “saquinho de chá” e nem de “imergir”, e, portanto, já que o locativo regido pelo predicador não apareceu na estrutura sintáctica, ela mostra-se anómala. Já a frase descrita em (70a) não nos causa nenhuma estranheza, pois os itens lexicais pertencem ao mesmo campo semântico e o predicador seleccionou argumentos compatíveis com ele próprio e com os seus argumentos.
Outra propriedade apresentada pelos verbos de movimento está relacionada às noções aspectuais das frases, conhecidas como aktionsart. Segundo Foltran (1999), Vendler (1967) apresenta quatro categorias aspectuais: os estados, as actividades, as construções que apresentam um accomplishment e as construções com achievements . Os estados referem-se a acções que correm por um determinado espaço de tempo:
(71) João amou Maria por três anos.
As actividades são constituídas de fases sucessivas:
(72) João corre todas as manhãs.
(73) João correu de casa até a escola.
(74) João entrou na sala.
Os verbos de movimento, aqui analisados, por apresentarem uma trajectória, explícita ou não na sintaxe, podem ser caracterizados por dois tipos aspectuais: os accomplishments e os achievements. Os do tipo accomplishment reflectem a trajectória com princípio, meio e fim; os do tipo achievement só caracterizam um ponto da trajectória, geralmente o ponto final. Portanto, aplicámos os testes propostos por Vendler (1967), para caracterizar as construções analisadas e poder classificá-las segundo as suas propriedades aspectuais.
Um dos testes consiste no acréscimo da expressão “em x minutos”. Tal acréscimo é perfeitamente aceitável com os accomplishments e barrado pelos achievements e actividades. Observe-se em (75):
(75) a. João correu da casa até a escola em duas horas.
b. * João entrou na sala em duas horas.
c. * João andava em duas horas.
Em (75a), temos um accomplishment, pois a acção expressa pelo verbo desenvolve-se num período de tempo em que se tem o início, o meio e o fim do processo. Em (75b), temos um achievement, e a agramaticabilidade desta frase deve-se ao facto de os achievements só ocorrerem num dado momento. E em (75c), temos uma actividade que ocorre em momentos sucessivos, daí a agramaticalidade se demarcarmos um único momento.
Outro teste que distingue os accomplishments dos achievements é o uso da palavra “quase”. Veja-se em (76):
(76) a. João quase correu da casa até a escola.
b. João quase entrou na sala.
Observe-se que a frase, em (76a), é ambígua, pois podemos pensar que João nem começou a correr ou parou antes de atingir o ponto final. Essa ambiguidade é característica dos verbos de accomplishment, porque os verbos de achievement não permitem dupla leitura. É o que podemos observar na construção, em (76b): João não pode ter começado a entrar na sala, já que “entrar” é um verbo do tipo achievement, ou melhor, a acção expressa por ele é pontual, ocorre num momento único. Então, em (93b), a única leitura possível é a de que João não entrou na sala, ele apenas pensou em entrar e desistiu. Portanto, os verbos do tipo accomplishment apresentam duplicidade de sentido com o uso da palavra “quase” e os do tipo achievement só permitem uma leitura.
Estes testes e outros procedimentos similares serão exemplificados na análise dos dados da próxima secção.
3.2. Descrição e análise das classes
Depois de listados, os dados do corpus foram separados em classes de acordo com a rede temática apresentada, ou seja, conforme os argumentos regidos pelo verbo. Os dados foram distribuídos em seis classes distintas. Cada classe foi descrita e analisada segundo as propriedades acima explicitadas. As classes 1 e 2 foram subdivididas em A e B, por apresentarem apenas diferença quanto ao deslocamento do argumento externo, sendo que os outros argumentos se comportam de maneira idêntica. As demais classes apresentam redes temáticas distintas e, por isso, serão tratadas isoladamente.
3.2.1. Classe 1 – verbos com desencadeador expresso
(77) Eu entornei o açúcar na lata.
(78) O agricultor espalhou todas as sementes no terreno.
Como explicitado acima, a Classe 1 apresenta duas subclasses: A e B. A Classe 1-A contém verbos de movimento que apresentam um desencadeador (controlo) , um afectado/deslocado e um locativo (afectado) (exemplo (77)). A Classe 1-B é formada por verbos de movimento que acarretam um desencadeador/deslocado (controlo), um afectado/deslocado e um locativo (afectado) (exemplo (78)). Portanto, os verbos da Classe 1-B distinguem-se minimamente dos verbos da Classe 1-A por apresentarem um desencadeador/deslocado. Como essa diferença não terá influência em nenhuma das propriedades analisadas, além do que, somente cinco exemplos aparecem nos dados da Classe 1-B, iremos tratá-las em conjunto. Fica a observação com o objectivo de se fazer uma análise mais pormonorizada dos papéis temáticos. Nessa classe, foram listados cento e três verbos mais prototípicos, sendo noventa e oito da Classe 1-A, e cinco da Classe 1-B; é a classe que apresenta mais exemplos .
Na Classe 1, temos apenas um dos pontos da trajectória representado sintacticamente, como podemos observar na construção, em (79):
(79) João afastou o filho do carro.
Em (79), temos que “João” é o desencadeador/controlo; “o filho” é o afectado/deslocado; e “o carro” é o locativo/afectado, que, no exemplo, é o ponto inicial da trajectória. A trajectória descrita pelo predicador verbal está implícita, já que o ponto final do movimento não aparece expresso na representação sintáctica, embora seja regido pelo sentido do verbo, pois, ao ser deslocado, o afectado, “o filho”, irá ocupar um outro espaço físico diferente do anterior, “o carro”. Assim sendo, apesar de acarretada pelo verbo, a trajectória - deslocamento de um ponto A para um ponto B - não está totalmente explícita na estrutura sintáctica. Tal facto ocorre com todos os dados da Classe 1.
Um tipo de comprovação dessa afirmação é que os verbos dessa classe são do tipo achievement, ou seja, o processo expresso pelo verbo é representado num ponto único, ao contrário dos verbos do tipo accomplishment, que expressam o ponto inicial e final da trajectória. Para confirmar esse facto, vejamos os testes de achievement usados na literatura:
(80) a. O piloto pousou o avião no Galeão.
b. O piloto quase pousou o avião.
c. João quase atravessou o rio de uma margem a outra.
Na frase expressa em (80a), temos “o piloto” no papel de desencadeador/controlo; “o avião” ocupa a posição de afectado/deslocado; e “o Galeão” representa o locativo/afectado.
Para mostrar que os verbos desta classe são do tipo achievement, utilizamos a palavra “quase” que, nos accomplishments, possibilita uma dupla interpretação; e, nos achievements, permite uma só leitura. Portanto, o uso da palavra “quase”, em (80b), significa que o piloto não pousou o avião, pois não há como pousar pela metade; se, por outro lado, ele começou os procedimentos para pousar e desistiu, ele não pousou o avião. Para melhor explicitação deste facto, vejamos o que ocorre em (80c). Nesta frase, “João” é o desencadeador/controlo, “o rio” é o locativo/afectado e “uma margem a outra” é a trajectória. Quando acrescentamos o termo “quase”, estabelece-se uma ambiguidade: pode-se pensar que João nem começou a acção de atravessar o rio ou que ele parou em alguma parte da trajectória, sem contudo atingir o alvo. Como foi dito acima, somente os verbos do tipo accomplishment permitem essa dupla leitura, mostrando, portanto, que os verbos da classe 1 são do tipo achievement. A relevância dessa conclusão é que podemos afirmar que esses verbos, apesar de acarretarem uma trajectória, só expressam sintacticamente um ponto (final ou inicial) do processo e são, portanto, verbos do tipo achievement.
A Classe 1 mostra, também, que há uma divisão entre os locativos no sentido de serem ou não afectados. A literatura trata os locativos como sendo ligados aos estados, isto é, os argumentos não têm suas propriedades alteradas no intervalo t; entretanto, há locativos que são afectados pelo processo de movimento, quando há trajectória ou, ao menos, parte dela. Tomemos como exemplo as construções em (81):
(81) a. A costureira centralizou o molde no tecido.
b. O professor colocou o livro na mesa.
Em (81a), o desencadeador/controlo é representado pelo item “a costureira”; o afectado/deslocado é “o molde”; e o locativo/estativo é “o tecido”. Ainda em (81a), podemos verificar que o afectado (objecto deslocado) apenas muda de posição, ou melhor, “o molde” que, possivelmente, já está sobre o tecido é movido mais para o centro. Assim sendo, “o tecido” não sofre alteração, permanece o mesmo em t1, t2..., característica dos estativos, ou seja, “o tecido” já continha “o molde” que foi apenas levado para o centro. Em (81b), temos que o desencadeador/controlo é “o professor”; o afectado/deslocado é “o livro”; e o locativo/afectado é “a mesa”. Estamos chamando o locativo, em (81b), de afectado, pois, em dado momento, “a mesa” não continha o objecto deslocado e em outro momento sim.
Nesse sentido, o locativo afectado se parece com o alvo ou destino da acção.
Entretanto, observámos, também, dados em que o locativo afectado é semelhante à origem do movimento. Comprove-se na frase, em (82):
(82) Maria recolheu a roupa do estendal.
Observe que na construção, em (82), “Maria” é o desencadeador/controlo; “a roupa” é o afectado/deslocado; e “o estendal” é o locativo/afectado. Podemos notar que, em (82), o locativo/afectado, “o estendal”, é o ponto inicial do movimento, isto é, sua origem. É fácil perceber a afectação nesse tipo de locativo, pois, em t1, o estendal continha “a roupa” e, em t2, já não.
Pode-se concluir, então, que a Classe 1 é constituída por verbos que ora seleccionam locativos que denotam lugar, que não é afectado; ora seleccionam locativos que são o ponto de origem (ou fonte) e/ou destino (ou alvo), que são afectados. Contudo, grande parte dos dados recolhidos apresenta o segundo tipo de locativo, ou melhor, parece que os verbos que admitem trajectória, mesmo que seja explícito só um ponto do movimento, acarretam locativos afectados. Essa análise não tem relevância para as propriedades estudadas, mas para uma análise mais pormenorizada, do ponto de vista descritivo semântico-lexical, vale a observação.
Outra característica observada em relação ao tipo de locativo refere-se ao facto de o verbo seleccionar um locativo do predicador (cf. 3.1.2.1.), ou seja, o locativo é regido lexicalmente pelo predicador verbal, daí a rede temática proposta para a classe. Observe a construção, em (83):
(83) Eu entornei o açúcar na lata.
Temos, em (83), um desencadeador/controlo, “eu”; um afectado/deslocado, “o açúcar”; e o locativo/afectado, “a lata”. Para demonstrarmos que o locativo é regido pelo predicador verbal e não, pela preposição “em”, sendo assim um argumento do verbo “entornar”, tomemos como exemplos as construções em (84):
(84) a. ?? Na lata, eu entornei o açúcar.
b. ?? Eu entornei o açúcar em Belo Horizonte.
c. Em Belo Horizonte, eu entornei o açúcar na lata.
Quando alteramos a posição do locativo em (84a) para o início da construção, notamos que tem que haver uma entoação mais marcada, diferentemente do que ocorre em (84c), onde o deslocamento do locativo “Belo Horizonte” parece mais natural, porque se trata de um locativo do evento. Em (84b), o facto de se ter omitido o locativo do predicador torna a frase um pouco anómala, pois não é possível identificar, especificamente, o lugar no qual aconteceu a acção, visto que “em Belo Horizonte” é o local em que se deu o evento. Se tomarmos “em Belo Horizonte” como locativo do predicador, parece-nos que teremos uma interpretação em que a cidade está toda cheia de açúcar.
Outro aspecto observado é o facto de haver uma escolha lexical de certos argumentos pelo predicador e, também, entre os próprios argumentos. Conforme assumimos anteriormente, parece que os argumentos regidos pelo predicador pertencem ao mesmo campo semântico deste. Veja-se em (85):
(85) O árbitro expulsou o jogador do campo.
Em (85), o desencadeador/controlo é “o árbitro”; o afectado/deslocado é “o jogador”; e o locativo/afectado é “o campo”. Podemos observar em (85) que há uma rede de relações de sentido entre os argumentos regidos pelo predicador verbal. Toda a proposição é formada a partir de itens que pertencem ao mesmo campo semântico. Se afirmarmos que “o árbitro expulsou o aluno do campo ou o professor expulsou o jogador da sala”, parece que o esperado pelo ouvinte é comprometido; não que as construções não sejam correctas semanticamente, mas parece haver uma quebra de expectativa na interpretação da frase por parte do ouvinte. Comprove-se em (86):
(86) ?O árbitro expulsou o jogador do hospital.
Entre os cento e três verbos que compõem esta classe, podemos ainda citar os seguintes: colocar, centralizar, amontoar, derrapar, esparramar, plantar, injectar, sentar, mergulhar, rebater, aconchegar, tirar, tombar, acrescentar, trazer, apanhar, afundar, etc.
3.2.2. Classe 2 - verbos com um desencadeador (controlo) deslocado, um afectado/deslocado e a trajectória que é o movimento expresso pelo predicador
(87) A mãe desceu o filho do carrinho para o chão.
(88) Maria leva as crianças da casa até a escola.
Nesta classe, ao todo, foram listados trinta e um verbos, mais prototípicos, sendo catorze da Classe 2-A (exemplo (87)), e dezassete da Classe 2-B (exemplo (86)). A única diferença entre as classes A e B é a segunda apresentar um desencadeador deslocado; assim como na Classe 1. Para efeitos da análise das outras propriedades, essa diferença não será relevante. Portanto, fica somente registada a descrição mais fina dos constituintes da rede temática dos verbos dessa classe. O resto da análise far-se-á como sendo uma classe única.
Nesta classe, a trajectória tem a possibilidade de aparecer explícita na sintaxe, diferentemente da Classe 1:
(89) O avançado chutou a bola da lateral para o golo.
Podemos ver que a construção, em (89), possui um predicado de quatro argumentos: o argumento externo, “o avançado”, é o desencadeador/controlo; o argumento interno, “a bola” é o afectado/deslocado; “a lateral”, o ponto inicial da trajectória; “o golo”, o ponto final da trajectória.
Para evidenciar que a trajectória pode ser toda explicitada na sintaxe, podemos mostrar que esses verbos são do tipo accomplishment, ou seja, a acção expressa pelo verbo desenvolve-se durante um intervalo t, tendo um ponto inicial, um meio e um ponto final. Podemos demonstrar esse facto, utilizando o teste de aspecto, explicitado anteriormente. Observem-se as frases em (90):
(90) a. O avançado quase chutou a bola da lateral para o golo.
b. O cavaleiro quase apeou do cavalo.
Quando acrescentamos o item lexical “quase”, temos uma ambiguidade, pois o desencadeador pode não ter conseguido atingir o golo ou ele pode nem ter iniciado a acção de chutar. Diferentemente, em (90b), o desencadeador/controlo, “o cavaleiro”, não apeou do cavalo, porque “quase apear” não apresenta ambiguidade; já que “apear” é um verbo do tipo achievement. Também foram aplicados testes de apagamento e deslocamento dos argumentos para comprovar a natureza argumental da rede temática proposta. O apagamento não se mostrou um teste eficaz para tal comprovação, pois apesar de a classe permitir toda a explicitação da trajectória, ou seja, os pontos inicial e final, também é permitido o apagamento de um dos pontos da trajectória. Entretanto, este teste revelou uma interessante característica dos verbos que têm a possibilidade de expressar toda a trajectória na sintaxe: os dados mostram que o ponto de origem pode ser mais omitido que o de destino. Observem-se as frases em (91) e (92):
(91) a. Mariana arrastou o sofá do canto para o meio da sala.
b. Mariana arrastou o sofá para o meio da sala.
c. * Mariana arrastou o sofá do canto.
(92) a. Ela seguiu o namorado da porta da casa até a praça.
b. Ela seguiu o namorado até a praça.
c.* Ela seguiu o namorado da porta da casa.
As frases (a e b) são perfeitamente gramaticais. Entretanto, as frases (c) não são aceites se tiver uma leitura de trajectória (somente a leitura de adjunto adnominal é possível, em alguns casos). Este comportamento aparece na maioria dos verbos desta classe.
Em relação ao deslocamento dos argumentos, a mudança de pontos da trajectória para o início da construção não fica muito aceitável, o que é um indício de que a trajectória também é um locativo do predicador, ou seja, é um argumento (ou item) do predicador verbal.
Demonstraremos esse facto, fazendo os deslocamentos dos pontos da trajectória nas frases em (93), e fazendo o deslocamento de um locativo do evento, acrescentado a essa mesma frase (94):
(93) a. Mariana arrastou o sofá do canto para o meio da sala.
b. ?? Do canto, Mariana arrastou o sofá para o meio da sala.
c. ?? Para o meio da sala, Mariana arrastou o sofá do canto.
d. ?? Do canto para o meio da sala, Mariana arrastou o sofá.
(94) a. Mariana arrastou o sofá do canto para o meio da sala, na sua casa.
b. Na sua casa, Mariana arrastou o sofá do canto para o meio da sala.
Fica evidente, com os exemplos acima, que os pontos inicial e final são argumentos do predicador verbal, segundo a proposta aqui assumida.
Outros verbos da Classe 2 são: arredar, baldear, abaixar, abrir, remover, rebaixar, carregar, conduzir, mover, seguir, deslocar, etc.
3.2.3. Classe 3 – verbos que apresentam um argumento interno preposicionado
Os dados da Classe 3 são bastante interessantes para grande parte deste trabalho, pois é, também, nesta classe que aparece o ‘argumento interno preposicionado’. Esse argumento difere daqueles apresentados em Cançado (2005), em que se apresentam dados em que há argumentos introduzidos por preposições inerentes e argumentos que marcam alternâncias sintácticas. É importante observarmos que as preposições que introduzem tais argumentos são diferentes daquelas citadas acima, porque não são inerentes ao verbos já que podem ser trocadas, veja-se em (95):
(95) João chegou de/a/em Paris.
Também não fazem parte de frase (construções) onde houve mudança da diátese verbal. O verbo “chegar” selecciona um desencadeador/controlo/deslocado na posição de argumento externo e um locativo/afectado na posição de argumento interno, como ilustra o exemplo (95). Os dados sugerem que verbos que denotam trajectória, em PM têm que explicitar o ponto inicial e/ou final dessa trajectória através de uma preposição. Nas outras classes, não temos problemas, pois existe um argumento interno que é o objecto deslocado, e a trajectória é sempre expressa por preposições, em posição de adjunção.
Entretanto, a diferença básica desta classe com as duas primeiras é que o objecto deslocado no processo é o próprio desencadeador que vai para a posição de argumento externo. O argumento interno refere-se a um ponto da trajectória, inicial ou final, o locativo/afectado, e, por isso, vem marcado com a preposição, para que esses pontos fiquem explícitos. Portanto, a nossa conclusão é que o ponto da trajectória expresso por verbos desse tipo é um argumento interno, porém, é um argumento preposicionado. A natureza desta preposição também é funcional, como as preposições inerentes e marcadoras de alternância de diátese, pois esses argumentos são regidos pelo verbo e não pelas preposições que os encabeçam. Assim, propomos a mudança das Regras B e C da proposta de Cançado (2005), incluindo entre as preposições abordadas pela autora, este tipo de preposição necessária para a explicitação da trajectória.
A Classe 3 também é composta de verbos que acarretam a trajectória, mas só aceita a explicitação sintáctica de um dos pontos dessa trajectória. Se o ponto será inicial ou final vai depender do sentido lexical do predicador verbal:
(96) a. Um homem desconhecido entrou na sala.
b. Ele saiu da escola.
Em (96a), o ponto da trajectória que aparece explícito é o destino; já, em (96b), é a origem.
Em geral, os verbos desta classe são tratados na literatura como sendo inacusativos, que só expressam o final do processo. Podemos observar isso, aplicando testes que mostram que essas construções são consideradas achievements, já que os achievements denotam um evento de momento único. É possível observar isso usando a palavra quase, que nos verbos do tipo achievement não admitem dupla interpretação.
Veja-se em (97) e (98):
(97) As tropas quase partiram para o norte.
(98) Os meninos quase subiram na árvore.
Foram aplicados outros dois testes sintácticos, para evidenciar a natureza argumental da rede temática proposta: o apagamento e o deslocamento dos argumentos.
Quanto ao teste de apagar argumentos, vimos que a construção só aceita uma leitura que tenha um argumento implícito default com o apagamento do argumento locativo/afectado. Por exemplo, se apagarmos o argumento locativo/afectado do verbo “chegar”, teremos uma interpretação de que o ponto de chegada do movimento é o lugar em que o falante está. Observe em (99):
(99) a. O João chegou.
b. O João entrou.
c. O João saiu.
Para interpretarmos as construções, em (99), associamos o locativo implícito ao lugar onde está o falante da construção.
O deslocamento dos termos mostra-nos que o deslocamento do locativo do predicador (argumento do verbo) faz com que a construção fique pior que o deslocamento do locativo do evento (cf. 3.1.2.1.). Veja-se em (100):
(100) a. ? Da escola, o João saiu.
b. ? Em casa, o João chegou.
c. Em casa, o João lê um livro.
d. Na sala, a Maria toca piano.
Portanto, podemos concluir que os verbos da Classe 3 são verbos que só admitem a representação sintáctica de parte da trajectória; o locativo é regido pelo predicador e é afectado; são verbos do tipo achievement, ou seja, verbos de um momento único.
Outros exemplos desta classe são: subir, ausentar, comparecer, penetrar, trepar, etc.
3.2.4. Classe 4 - verbos com um desencadeador/deslocado (controlo) e uma trajectória expressos
Semelhantemente à Classe 3, os verbos da Classe 4 também apresentam argumento interno preposicionado, pois ao seleccionarem os pontos inicial e final da trajectória, esses só podem vir introduzidos por preposições, de natureza funcional, como concluído acima. Entretanto, o que vai diferenciar a Classe 4 da Classe 3 é que aos verbos da Classe 4 é permitida toda a explicitação da trajectória:
(101) João andou de uma loja até a outra.
Em (101), temos “João” como desencadeador/deslocado, e “de uma loja até a outra” como pontos inicial e final da trajectória. Se é verdade que “João andou” é verdade que ele se deslocou de um ponto A para um ponto B. Portanto, são verbos que podem explicitar toda a trajectória na sintaxe e terão como característica aspectual (aksionsart) ser um accomplishment. Com o exemplo abaixo, vemos que esses verbos apresentam ambiguidade ao utilizarmos a palavra “quase”:
(102) As crianças quase retornaram da escola para casa.
Vemos que, em (102), o desencadeador/controlo/deslocado, “as crianças” podem tanto ter retornado para casa quanto nem terem iniciado o movimento. Devido à dupla interpretação, podemos concluir, portanto, que o predicador “retornar” e os outros verbos dessa classe são do tipo accomplishment.
Ainda em relação à natureza do aksionsart, o facto de apagarmos a trajectória de alguns dos verbos dessa classe fará com que o predicador se transforme numa actividade:
(103) João andou sempre.
A actividade caracteriza-se por constituir momentos sucessivos: ou seja, João andou num momento, depois em outro, e assim sucessivamente. Se colocarmos a expressão em x minutos, que caracteriza um momento único, a construção fica agramatical; ao contrário da construção em (104), em que temos um accomplishment:
(104) a. *João andou em duas horas.
b. João andou de uma loja até a outra em duas horas.
Também como na Classe 2, o apagamento do ponto inicial, ou seja, a origem do movimento é preferível ao apagamento do ponto final, o alvo. Veja os dados abaixo:
(105) a. O carro descambou da rua para o rio.
b. * O carro descambou da rua.
c. O carro descambou para o rio.
(106) a. O exército marchou do quartel até a fronteira.
b. * O exército marchou do quartel.
c. O exército marchou até a fronteira.
Entretanto, existem alguns verbos dessa classe que apresentam um comportamento um tanto específico em relação ao apagamento de um dos pontos: apagam tanto a origem quanto o alvo:
(107) a. Os soldados retornaram da guerra para seus os lares.
b. Os soldados retornaram da guerra.
c. Os soldados retornaram para seus os lares.
(108) a. A estudante voltou de Paris para a sua casa.
b. A estudante voltou de Paris.
c. A estudante voltou para a sua casa.
Verbos deste tipo são: voltar, retornar, regressar, tornar, volver, fugir, mudar e recuar, e, possivelmente, outros de significação semelhante.
Para comprovarmos a natureza argumental da rede temática proposta, utilizamos novamente o deslocamento dos pontos da trajectória:
(109) a. As aves voaram dali para o telhado.
b. ? Dali para o telhado, as aves voavam.
c. No céu, as aves voavam.
Em (109b), temos a trajectória acarretada pelo predicador e, por isso, o deslocamento desses argumentos parece ser pior do que em (109c), em que temos o locativo regido pelo evento no mundo e o seu deslocamento parece mais aceitável.
Outros verbos que compõem a Classe 4: saltar, mudar, ir, engatinhar, caminhar, locomover, entre outros.
3.2.5. Classe 5 – verbos que seleccionam apenas um ponto da trajectória
A Classe 5 é constituída por verbos de movimento que seleccionam um ponto da trajectória apenas, como ocorre também nas Classes 1 e 3; mas, diferentemente, do que acontece nestas classes, os verbos da Classe 5 acarretam um argumento externo que não desencadeia o movimento, mas somente é afectado por ele. Assim como a Classe 3, esses verbos são, em geral, tratados pela literatura, como verbos inacusativos, ou seja, verbos que explicitam, sintacticamente, somente a parte afectada pelo processo. Por isso, também, nessa classe, teremos uma interpretação aspectual do tipo achievement. Aplicando o teste, temos:
(110) O livro quase escapuliu da minha mão.
O exemplo acima somente pode ter a leitura do tipo achievement, ou seja, com o uso do “quase” só se tem a leitura do evento, como se este nem se tivesse iniciado. Também temos nessa classe o argumento interno preposicionado, apresentando uma natureza funcional. Ou seja, o argumento interno tem que ser encabeçado por uma preposição, mesmo sendo regido pelo predicador verbal, pois é necessário que se marque um dos pontos da trajectória acarretada pelo predicador.
Uma comprovação de que o argumento interno realizado é um locativo do predicador é a menor aceitação do deslocamento desse locativo, em relação a um locativo do evento:
(111) a. O menino apareceu no quarto, naquela casa mal assombrada.
b. ?? No quarto, o menino apareceu naquela casa mal assombrada.
c. Naquela casa mal assombrada, o menino apareceu no quarto.
Ainda, como na Classe 3, se apagarmos o argumento interno, parece haver uma leitura generalizada/generalista de que o locativo do predicador só pode ser o lugar em que se encontra o falante da frase (parece melhor essa interpretação, se usarmos um adjunto localizando o evento temporalmente):
(112) O copo caiu nesse minuto.
(113) O livro escapuliu-se da minha mão agora.
(114) O menino apareceu de repente.
Os outros verbos listados nesta classe são: escorregar, ruir, surgir, transbordar, escapar, desaguar.
3.2.6. Classe 6 – verbos com desencadeador/controlo/ deslocado, um locativo/afectado expressos e que admitem uma trajectória como especificação do locativo/afectado opcional
A Classe 6 é composta por verbos, que acarretam um desencadeador/controlo/ deslocado, um locativo/afectado e, ainda, aceitam uma trajectória como especificação do locativo/afectado, que pode ou não, aparecer na representação sintáctica. Essa classe é diferente de todas as outras quanto à sua possibilidade de especificar o locativo/afectado. As outras classes ou apresentam um locativo/afectado ou apresentam uma trajectória. Essa é a única classe que permite que as duas possibilidades ocorram simultaneamente. É óbvio, entretanto, que a trajectória, como especificação do argumento interno, tem que pertencer a um mesmo campo semântico:
(114) a. João atravessou o rio de uma margem até a outra.
b. * João atravessou o rio do andar de cima para baixo.
Também pode ocorrer o apagamento de toda a trajectória, já que esta é apenas uma especificação do locativo/afectado, sem danos para a aceitação da frase:
(115) O alpinista transpôs os Andes.
Quanto à sua natureza aspectual, esses verbos se comportam como um accomplishment, pois podem expressar todos os pontos da trajectória: o início, o meio e o fim. Ao aplicarmos o teste do “quase”, comprovamos essa afirmação, visto que se obtém uma dupla leitura. Observe em (116):
(117) Maria quase subiu as escadas do Shopping do primeiro até o último degrau.
Na frase expressa em (117), temos um desencadeador/controlo/deslocado, “Maria”, um locativo/afectado, “as escadas do Shopping”, e os pontos da trajectória, “do primeiro até o último degrau”. Portanto, se é verdade que Maria quase subiu as escadas do Shopping do primeiro até o último degrau ou é verdade que ela nem começou o movimento, ou que ela o fez até certo ponto, sem atingir o último degrau. Essa ambiguidade leva-nos a crer que os predicadores desta classe são verbos do tipo accomplishment, pois, diferentemente dos verbos do tipo achievement, desenvolvem-se num intervalo de tempo que marca o início, o meio e o clímax do movimento.
Em relação à trajectória, os dados da Classe 6 também aceitam mais o apagamento da fonte ou origem que do alvo ou destino, como vimos nas Classes 2 e 4.
Veja-se que não é possível apagar o ponto final da trajectória:
(118) a. João atravessou o rio de uma margem até a outra.
b. João atravessou o rio até a outra margem.
c. * João atravessou o rio de uma margem.
(119) a. O ciclista cruzou o país do norte até o sul.
b. O ciclista cruzou o país até o sul.
c. * O ciclista cruzou o país do norte.
Outros verbos desta classe são: pular, saltar, escalar, galgar.
3.2.7. Verbos sem trajectória explícita
Foram listados alguns verbos, que não iremos tratar como uma classe específica por exigir uma análise mais apurada, mas iremos apontá-los como exemplos interessantes e objecto de um futuro estudo. Esses verbos acarretam um desencadeador/controlo e um afectado (objecto deslocado); entretanto, apesar de se tratar de verbos de movimento, eles não admitem a explicitação da trajectória, nem mesmo de um de seus pontos. Existe a denotação de que o afectado percorre o espaço entre um ponto A e um ponto B; porém, essa trajectória não aparece explícita na estrutura sintáctica. Veja-se a frase seguinte:
(120) O menino envelopou as figurinhas.
A frase, em (120), é formada por um desencadeador/controlo, “o menino”, e um afectado/deslocado, “suas figurinhas”. Se é verdade que “o menino envelopou suas figurinhas”, é verdade que o argumento “suas figurinhas” se desloca de um ponto determinado A (as mãos do menino) para um ponto determinado B (o interior do envelope). Entretanto, esta trajectória não está descrita sintacticamente. A ideia do movimento está contida no próprio sentido do item lexical, “envelopar”, e parece que o argumento externo delimita o ponto inicial de uma trajectória e o próprio verbo delimita o ponto final. Veja-se que se acrescentarmos o ponto final dessa trajectória a este tipo de frase, ela fica redundante:
(121) ??O menino envelopou suas figurinhas em envelopes.
Como nos casos de verbos com objectos cognatos, esse ponto só será aceito na sintaxe, se for alguma informação mais específica do que a contida no verbo:
(122) O menino envelopou suas figurinhas em envelopes coloridos.
Vejamos alguns outros exemplos desse comportamento:
(123) a. ??O médico hospitalizou o paciente no hospital.
b. O médico hospitalizou o paciente no melhor hospital da cidade.
(124) a. ??O governo repatriou o soldado para a pátria.
b. O governo repatriou o soldado para a pátria amada.
Outros verbos que têm comportamentos parecidos são: naufragar, semicerrar, repatriar, reerguer, entre outros .
Como considerações finais, podemos salientar que a análise feita acima é uma descrição bem abrangente das propriedades semânticas e sintácticas das classes apresentadas e que parece cobrir uma grande parte dos verbos que denotam trajectória no PM. Evidentemente, nas descrições das classes, pode-se encontrar um exemplo ou outro que não tenha um comportamento totalmente igual ao exemplo prototípico apresentado, o que não invalida o carácter descritivo desta pesquisa. De uma maneira geral, os dados analisados seguiam um determinado padrão e conseguimos classificá-los como pertencentes a uma determinada classe, pela maioria das propriedades apresentadas.
Com isso, esperamos ter conseguido apresentar um quadro bem claro de como esses verbos se comportam sintáctica e semanticamente, além de terem surgido também, no decorrer dessa análise, algumas soluções de natureza teórica, questionadas na introdução deste trabalho.
Conclusões
Este trabalho, a princípio, teve como motivação mais forte a investigação das preposições que ocorrem com os verbos de movimento (João veio de São Paulo, João entrou em casa, etc.), e como explicar a ocorrência de tais preposições e a natureza dessas preposições em relação à proposta de Regras de Correspondência entre a Sintaxe e a Semântica de Cançado (2005). Estes foram os dois objectivos iniciais do trabalho. Entretanto, para investigarmos tais preposições, como um terceiro objectivo do trabalho, fizemos um amplo estudo sintáctico e semântico dos verbos que apresentavam trajectória em seu sentido.
Porém, ao concluirmos este trabalho, fica evidente que a ampla e detalhada descrição sintáctico-semântica da classe de verbos de trajectória tornou-se o resultado principal deste trabalho de pesquisa, ainda que as outras duas questões também tenham sido respondidas, além de outros pontos que surgiram no decorrer desta análise. Nesta, propusemos um teste semântico que distingue locativo do evento e locativo do predicador. Este teste evidencia que existem locativos que fazem parte do evento e outros que são parte do sentido lexical do próprio predicador verbal.
O outro objectivo proposto para este trabalho era como classificar as preposições que aparecem com os verbos de trajectória, segundo a natureza funcional ou predicadora, proposta por Cançado (2005). Mostramos que as preposições que introduzem a trajectória, ou parte dela, não se assemelham a nenhuma das citadas anteriormente. Diferentemente das preposições predicadoras, elas não atribuem papel temático aos argumentos, elas só encabeçam argumentos que são regidos pelo predicador verbal. Elas se diferem das preposições inerentes, porque podem ser mudadas, conforme vimos nos exemplos mostrados anteriormente. E como as preposições funcionais, as preposições que acompanham a trajectória introduzem argumentos regidos pelo predicador verbal, entretanto, aparecem em posição de argumento interno. E, finalmente, apesar de se assemelharem com as preposições que marcam alternância, pela posição de argumento interno, essas preposições não estão marcando nenhum tipo de alternância sintáctica.
Pelos dados analisados no trabalho, fica evidente que toda trajectória tem que ter explicitada os pontos inicial e/ou final. Por isso, verbos que apresentam só a origem ou alvo têm que especificar esse ponto. Ou verbos que apresentam toda a trajectória têm que ter explícitos os pontos inicial e final. Em português, a maneira de se fazer isso é usando as preposições que denotam o sentido da trajectória. Por exemplo, “de” indica origem, “para” indica alvo; e assim por diante. Assim sendo, a nossa conclusão é que essas preposições têm que aparecer encabeçando os argumentos locativos, origem e alvo, para que essa explicitação da trajectória seja realizada; mesmo que esteja em posição de argumento interno. Portanto, essa é a função dessas preposições, que também podem ser analisadas como funcionais, pois elas não atribuem papel temático, tendo só a função de marcar a direcção da trajectória na frase.
E um último objectivo a ser destacado relaciona-se com as regras de correspondência entre a sintaxe e a semântica, proposta por Cançado (2005). A nossa conclusão é que o ponto da trajectória expresso por verbos deste tipo é um argumento interno, porém, é um argumento preposicionado. A natureza dessa preposição também é funcional, como as preposições marcadoras de alternância de diátese, ou como as preposições inerentes, pois esses argumentos são regidos pelo verbo e não, pelas preposições que os encabeçam. Assim, propomos a mudança das Regras B e C da proposta de Cançado (2005), incluindo entre as preposições abordadas pela autora, esse tipo de preposição necessária para a explicitação da trajectória.
Ainda, os testes nem sempre funcionam de uma maneira total. Talvez haja discordância de julgamentos de aceitabilidade de construções entre os falantes. Entretanto, acreditamos, que de uma maneira descritiva, mostrando a tendência mais geral de comportamento desses verbos, conseguimos contribuir com uma ampla análise das propriedades sintácticas e semânticas dos verbos de trajectória, particularmente os do PM, propondo, ainda, uma classificação semântica, baseada nos papéis temáticos apresentados por esses verbos, bastante pormenorizada. E, também, demos uma contribuição mais específica para a pesquisa sobre os papéis temáticos e a hierarquia temática.
No que concerne ao ensino da língua, demos uma contribuição na forma como o assunto das preposições que introduzem os argumentos dos verbos de movimento e, em particular os que apresentam trajectória. Acreditamos que este assunto deve ser dado maior importância logo nos primeiros anos e não se deixar tudo para a responsabilidade do falante, ou seja, basear-se na intuição do falante (Gramática Intuitiva), pois os estudantes devem, logo cedo, perceber as regras ou condições que estão por de trás da selecção de determinadas preposições e em que contextos linguísticos tais devem ser empregadas.
Bibliografia
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